quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Após 16 anos de luta, 223 famílias podem ser despejadas em Sergipe




Por Coletivo de Comunicação MST-SE
Da Página do MST
Os 16 anos de luta de mais de 200 famílias Sem Terra podem ir por água abaixo nos próximos meses. O acampamento mais antigo do estado de Sergipe, o Zumbi dos Palmares, corre o risco de sofrer despejo.
Localizado entre os municípios de Malhador, Divina Pastora e Santa Rosa - região metropolitana do estado -, as 223 famílias do Acampamento Zumbi dos Palmares podem ser despejadas já em novembro após uma série de lutas nos últimos meses.  
Em julho, as famílias conseguiram arrancara uma vitória. Com integrantes de acampamentos vizinhos, ocuparam durante três dias a Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe (Cohidro).
Sob a pressão, a Cohidro se comprometeu a repassar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para fins de assentamento,  os lotes do perímetro irrigado Jacarecica II, que abrange uma parte da área ocupada. As famílias serão contempladas com seis lotes, totalizando 24 hectares.
Apesar dessa boa notícia, a incerteza permanece. As terras da fazenda Tingui, que representam uma área de 1980 hectares, ainda estão em disputa. Em 2005, o então presidente Lula assinou um decreto de desapropriação da fazenda para fins de Reforma Agrária.
Em 2011, entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o decreto, alegando que uma terra ocupada não poderia ser desapropriada. Em abril deste ano, uma juíza emitiu uma liminar de reintegração de posse com prazo até o dia 29 de agosto. Graças à mobilização do MST, a ordem de despejo agora está postergada para novembro.
Histórico
O Acampamento Zumbi dos Palmares é emblemático da luta do MST em Sergipe. Em 1987, famílias do Movimento ocuparam pela primeira vez as terras da Fazenda Tingui, propriedade dos Barreto, uma influente família de latifundiários da região.
Um despejo violento ocorreu dois dias depois da ocupação,  ao serem presos diversos militantes do Movimento. Em 1997, o MST organizou a segunda ocupação da área. 223 famílias acampadas resistem até hoje. Apesar de terem transformado uma fazenda improdutiva em uma área de importante produção agrícola, elas estão ameaçadas de despejo.
Uma vida debaixo da lona
Lucas dos Santos, de 69 anos, estava presente no dia 12 de março de 1997, quando 300 famílias organizadas pelo MST entraram na fazenda, situada na região metropolitana do estado de Sergipe. “Aqui era mato fechado, a fazenda era abandonada. Fizemos a derrubada, levantamos os barracos”, lembra Lucas.
Como muitos dos seus companheiros de luta, Lucas viu seus filhos crescerem no acampamento ao longo dos 16 anos de ocupação. “Cheguei novo, hoje estou velho. Tenho uma menina que nasceu aqui e hoje já está casada e mãe de um filho”, conta o Sem Terra. Atualmente, 152 crianças moram no acampamento.
Andre Carlos da Silva tinha 10 anos quando chegou com sua mãe, Dona Maria, e seus quatro irmãos na Tingui. A irmã mais nova, Adrielly, tinha apenas um ano. Os cinco filhos foram criados dentro do acampamento.
Aos 26 anos e casado, o futuro de Andre e sua família ainda está inseguro. “Governos entraram e saíram e até hoje estamos na incerteza, porque a fazenda ainda não foi desapropriada”.
Sem Terra produzindo
O acampamento Zumbi dos Palmares sempre se destacou por sua farta produção de alimentos. “Desde o início produzi aqui, como todos meus companheiros. Plantamos macaxeira, banana, inhame, milho. Também tem criadores de gado”, afirma Lucas.
Os acampados chegaram a organizar a Feira da Reforma Agrária na capital Aracajú. “Levávamos dois a três caminhões de produção a cada sexta-feira, com tudo que você pode imaginar: batata, melão, melancia, inhame...”, observa Andre.
Hoje, a produção de alimentos segue importante. Quem percorrer as terras ocupadas se deparará com inúmeras roças de milho, macaxeira, quiabo, bananas, maracujá, etc.
Agostino, 40 anos e acampado há 10 anos com a esposa e a filha, cria peixes e patos com o irmão Adailson, de 30 anos. Ele deixou o emprego na construção civil, na capital, em busca de uma vida melhor.
“As pessoas que não têm muito estudo não conseguem um emprego que dê uma renda suficiente para manter a família. O campo é uma opção melhor para ter uma vida digna.” Além da criação de peixes, Agostino e Adailson plantam quiabo, maxixe, couve.
Os irmãos querem ampliar a produção e criar gado, mas estão na expectativa. “Estamos esperando a imissão de posse. Tudo depende disto.”
A influência do agronegócio
Além da influência política da família Barreto, os acampados apontam outro fator explicando a dificuldade do processo de desapropriação: a Fazenda Tingui está situada numa área caracterizada por um forte avanço da produção de cana-de-açúcar.
Segundo Andre, empresas do agronegócio estão de olho nas terras. “O objetivo deles aqui é a produção de cana. A fazenda está situada num local estratégico, na proximidade de três cidades. Assim, as empresas teriam mão de obra disponível, sem precisar importar de fora.”
Mobilizados
O clima de incerteza pesa sobre o dia a dia das famílias. “Estamos fazendo projetos para produzir nesta terra, mas o fazendeiro não quer deixar. Esperamos a ajuda de governo, dos políticos, pois estamos sofrendo demais, sem limite”, desabafa Adailson.
A produção também está prejudicada. “A situação está complicada demais. A ameaça de despejo empata. O cara quer trabalhar, mas não pode, porque tem medo de perder tudo”, resume Lucas.
O MST cobra do governo do estado de Sergipe e do governo federal a desapropriação imediata da fazenda e o assentamento de todas as famílias acampadas no local. Segundo Dona Iraci dos Santos, coordenadora do acampamento e integrante da direção estadual do MST, as famílias estão indignadas com a situação, mas não vão desistir.
“É um descaso com o povo. Estamos unidos para enfrentar a situação, e permaneceremos mobilizados até conseguir a vitória!” “A terra sai sim”, acrescenta Dona Maria. “Mas precisamos seguir organizados e lutando!”

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