Ação responsabiliza estatal por financiar obras do programa federal de moradia em que foram constatadas violações e pede R$ 3,4 milhões de indenização por danos morais
Por Guilherme Zocchio |
O Banco do Brasil é alvo de uma ação civil pública, protocolada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na última sexta-feira, dia 13, por um flagrante de trabalho escravo ocorrido no começo deste ano em obras do programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, em Feira de Santana, interior da Bahia. O MPT pede R$ 3,4 milhões em indenizações por danos morais coletivos à empresa e às empreiteiras CSO Engenharia e Construtora Lima, envolvidas no caso de escravidão. O processo corre na 1ª Vara do Trabalho de Feira de Santana com o número 0001442-93 2013 5 05 0191.
De acordo com o procurador do MPT Rafael Garcia, o Banco do Brasil tem responsabilidade no caso por ser o agente executor das obras, devido aos financiamentos que faz às construtoras e empreiteiras ligadas ao Minha Casa, Minha Vida. “Para viabilizar grandes operações econômicas, forma-se uma rede contratual. Se, portanto, ocorre algum tipo de violação no empreendimento, todos [da rede de contratos] devem ser responsabilizados”, explica em entrevista à Repórter Brasil. Ele assina a ação civil juntamente com o procurador do Trabalho Maurício Brito.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Banco do Brasil diz que “atende as diretrizes aprovadas no pacto [nacional] de erradicação do trabalho escravo”. E alega que “cumpre integralmente as regras estabelecidas para contratação de construtoras e incorporadoras nos projetos do ‘Minha Casa, Minha Vida’”. Procurada, a CSO Engenharia não se manifestou até a publicação desta matéria.
“Os direitos humanos são um discurso transversal e devem envolver todos os participantes em determinada relação contratual”, acrescenta Rafael Garcia. Segundo o MPT, desse modo qualquer violação constatada é de responsabilidade de todas as partes envolvidas. Além disso, já seria, por conta das cláusulas sociais,uma obrigação anterior do financiador do contrato verificar o cumprimento de normas trabalhistas.
Para justificar a ação, os integrantes do MPT também fazem um entendimento análogo ao de juízes estaduais que responsabilizaram outro banco público, a Caixa Econômica Federal, por problemas na entrega de unidades do Minha Casa, Minha Vida aos beneficiários do programa. Conforme argumentam, da mesma forma que há a responsabilização por um desrespeito aos direitos do consumidor, deve-se ter a mesma interpretação nos casos de violação de direitos humanos ou trabalhistas.
Resgate ocorrido em março
Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram, no dia 13 de março de 2013, 24 trabalhadores sujeitos a condições análogas às de escravo na construção de 540 unidades habitacionais do programa federal em Feira de Santana. A auditoria trabalhista identificou que as vítimas estavam submetidas a situação de trabalho degradante.
Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) encontraram, no dia 13 de março de 2013, 24 trabalhadores sujeitos a condições análogas às de escravo na construção de 540 unidades habitacionais do programa federal em Feira de Santana. A auditoria trabalhista identificou que as vítimas estavam submetidas a situação de trabalho degradante.
Os 24 resgatados estavam alojados de forma precária, sem proteção de animais peçonhentos, nem mesmo banheiros ou água potável disponíveis. Pela falta de local apropriado, as vítimas deveriam realizar as necessidades no meio do mato da região. Os alimentos oferecidos estavam em putrefação, e as 24 pessoas ainda haviam sido aliciadas de maneira irregular pelas construtoras. No processo, o MPT classifica a situação como “completa supressão da dignidade dos trabalhadores que lá se encontravam”.
Naquele momento, foram lavrados autos de infração contra a CSO Engenharia, que, segundo o MPT, teria subcontratado a Construtora Lima, responsável por aliciar o grupo de 24 vítimas, para terceirizar — de forma irregular — parte dos serviços da obra. O relatório da fiscalização ocorrida em março, elaborado pelo MTE, embasa a ação civil ajuizada contra o Banco do Brasil e as construtoras.
Sucessivos casos de escravidão
Essa é a primeira vez que o órgão financiador de algum empreendimento é responsabilizado conjuntamente por trabalho escravo. Não são inéditos, contudo, casos do tipo no Minha Casa, Minha Vida. Somente neste ano foram pelo menos três casos de escravidão em obras do programa. Além do flagrante em Feira de Santana, foram resgatadas oito pessoas em Camaçari, em junho deste ano, e outras seis vítimas, no mês de abril, em Minas Gerais.
Essa é a primeira vez que o órgão financiador de algum empreendimento é responsabilizado conjuntamente por trabalho escravo. Não são inéditos, contudo, casos do tipo no Minha Casa, Minha Vida. Somente neste ano foram pelo menos três casos de escravidão em obras do programa. Além do flagrante em Feira de Santana, foram resgatadas oito pessoas em Camaçari, em junho deste ano, e outras seis vítimas, no mês de abril, em Minas Gerais.
O procurador do Trabalho Rafael Garcia entende que os sucessivos casos de trabalho escravo no programa federal colocam em cheque a própria prioridade do governo federal no enfrentamento à prática.
“Que postura o governo tem, de fato, no combate ao trabalho escravo? Se, por um lado, tem uma ação de repressão, com as fiscalizações, por outro não se preocupa com a idoneidade das empresas contratadas para programas como o Minha Casa, Minha Vida”, afirma. “Sem dúvida, se houvesse uma responsabilidade maior do financiador, você evitaria que essas situações acontecessem”, acrescenta o integrante do MPT.
Procurado pela reportagem, o Ministério das Cidades, responsável por acompanhar e coordenar as obras do programa de habitação, lembra que “não contrata construtoras” e que essa tarefa cabe à Caixa Econômica Federal.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a pasta diz que “a Caixa e o Ministério das Cidades são signatários do pacto de combate ao trabalho análogo ao trabalho escravo”. Também acrescenta que qualquer construtora incluída na “lista suja” — o cadastro de empregadores flagrados utilizando mão de obra escrava, mantido pelo MTE em conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) — “ficará impedida de operar novas contratações”.
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