Vale a pena ler um o discurso cheio de simbolismo e conselhos para os gestores que estão prestes a assumir o comando de municípios.
Açailândia - Por que um barco afunda? O que foi feito das estrelas, do motor potente, da tripulação treinada? O naufrágio deve-se a um acidente natural imprevisto ou ao fato de que, ao se concentrar por demais nas estrelas, o comandante mal teve tempo para tentar desviar do gigantesco e monstruoso iceberg que se levantou à sua frente? Será que o medo de alguma temporal levou-o a forçar a velocidade, quebrando as máquinas motrizes obsoletas? Ou será ainda que o acontecimento pode ser atribuído a um motim da tripulação apoiada pelos passageiros?
No momento do naufrágio, parece inútil querer saber por que o navio está afundando. É o espectro da morte que ronda e ameaça, como se a viagem chegasse a um fim antes de ter alcançado o destino. Explicar, compreender, dialogar, manter a calma, fazer planos, enfim, tudo não passa de conjecturas e esforços vãos quando se está à beira da morte. Nada parece mais inútil, numa catástrofe, que um plano. Planos exigem tempo, coordenação e esperança. Na crise, o tempo desaparece e a sobrevivência no curtíssimo espaço de tempo ocupa mentes e corações. Quando o mundo vem abaixo, tudo parece ser a causa de tudo, tamanha a potência dos processos cumulativos que se entrelaçam.
Um município em crise não é muito diferente de um barco afundando. O caos reinante é o mesmo numa e noutra situação. Em ambas às hipóteses busca-se, num primeiro momento, segurança contra a desordem na figura do comandante, contudo, se em regra na embarcação os passageiros não podem-no escolher, o mesmo não se dá na municipalidade, posto que os cidadãos podem eleger seu administrador.
Problema de grande envergadura, porém, surge quando o administrador, figura de quem se espera, tal qual o comandante de um barco, uma articulação contra a crise, é um dos principais responsáveis pelo seu agravamento, através da tomada de medidas questionáveis que, longe de o colocarem na frente do timão da administração, acabam por dar mostras de que o mesmo assiste a agonia de seu município em profunda divagação, contemplando, quem sabe, mais o céu que a cruel realidade, como fez Nero enquanto Roma pegava fogo.
É que o administrador arbitrário, por sua existência mesma e apenas por sua existência, efetua o crime máximo, o crime por excelência, o crime da ruptura total do pacto social pelo qual a própria sociedade deve poder existir e se manter, substituindo-o pela imposição de sua violência, de seus caprichos, de sua não-razão, como lei geral do Estado. O administrador acima das leis não se distingue substancialmente do criminoso abaixo das leis, ambos são foras-da-lei, com oplus de que o arbítrio do administrador é um exemplo para os possíveis criminosos, ou é, ainda, em sua ilegalidade fundamental, uma permissão dada ao crime: quem do povo não se poderia autorizar a infringir as leis quando o seu representante eleito se dá a possibilidade de contorná-las, suspendê-las ou em todo caso não as aplicar a si mesmo?
Um exemplo elucidativo da referida situação é fornecido pelo padre ANTÔNIO VIEIRA1 que, após criticar os príncipes que dilaceram seus súditos como lobos em vez de guardarem-nos como pastores de ovelhas (principes ejus in medio illius, quasi lupi rapientes praedam), conta a seguinte estória, coincidentemente valendo-se de embarcações:
“(...) Alexandre Magno navegava em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como se fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre por andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. – Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?(...)”.
Destarte, o criminoso mais perigoso não é o assassino ou o estuprador, mas aquele que infringe o pacto social fundamental, frustrando, com certa permanência, durante o transcorrer do mandato, as expectativas da sociedade em prol de seus interesses pessoais. Com efeito, em que pesem as dificuldades estruturais dos municípios maranhenses, parafraseando-se THOREAU, pode-se dizer que um administrador não precisa fazer tudo, mas algo, e não é porque não pode fazer tudo que vai fazer esse algo de forma errada. Caso, contrariando as expectativas, aja dessa forma, deve ser impelido a corrigir seu ato, ainda que por força da via judicial.
Se é verdade, como pregava ARISTÓTELES, que o homem é um ser político, já é novamente hora desse ser político voltar a ser realmente homem. E que tipo de homem se busca? Responde-se: homem, ou homens, que prometam e cumpram o que de fato prometeram; homens de palavra e não de palavrórios; homens conscientes e não alienados; homens que não neguem suas raízes, homens que não neguem a si mesmos; homens que não nos peçam para esquecer tudo o que disseram antes. É que, por mais esforço que se faça, uma boa democracia não se faz com bons eleitores e com políticos ruins.
Senhores eleitos, em prol da confiança depositada em cada um, traduzida no exercício do voto, afastem-se do mau exemplo, cumpram os ditames da lei, pois os governantes devem cuidar dos governados como pastores que apaziguam ovelhas, não como lobos famintos que dilaceram suas carnes.
Em resumo: senhores eleitos, hoje é dia de festa, mas que a partir de 1o de janeiro seja dia de muito trabalho, trabalho em prol exclusivamente do povo.
Açailândia/MA, 18 de dezembro de 2004.
Leonardo Rodrigues Tupinambá
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