Mapeamento realizado por voluntários revela que desapropriação planejada pela gestão Alckmin para construção de moradias não respeita critério de “vazios urbanos”, como anunciado. Decreto de desapropriação foi revogado, mas moradores ainda temem ser despejados
Por Fabrício Muriana e Sabrina Duran
Nos assentamentos irregulares é assim: quando há ordem de reintegração de posse, quem não sai “por bem” costuma sair pela força da Polícia. Foi dessa forma que aconteceu em 14 de setembro, quando os moradores da ocupação Jardim da União, no bairro Itajaí, Grajaú, extremo sul da cidade de São Paulo, tiveram suas casas destruídas e foram expulsos do terreno sob bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha lançados em mulheres, homens, crianças e idosos pela Tropa de Choque da Polícia Militar. O episódio aconteceu três dias depois de a Secretaria Municipal de Habitação prometer à comunidade que não haveria desocupação da área, que é pública.
Em bairro e casa de classe média a polícia ainda não chega com o pé na porta, mas nem por isso a violência do Estado deixa de ser usada quando há interesses do poder público e do capital imobiliário no uso da terra. Nesta reportagem especial, dividida em onze capítulos, o Arquitetura da Gentrificação apresenta e detalha a polêmica Parceria-Público-Privada de Habitação proposta para o Centro de São Paulo, iniciativa que une o governo estadual e o capital imobiliário em um projeto que ameaça milhares de famílias de classe média que vivem na região. Use o menu abaixo para navegar nesta reportagem e consultar os diferentes documentos, arquivos de áudio e vídeo e registros reunidos em mais de cinco meses de apuração.
1 – Vazios urbanos
2 – Mobilização
3 – “Este Natal vocês já não devem passar em casa”
4 – Erro pontual ou “mapeamento aéreo”?
5 – Do caso a caso à resistência organizada
6 – Contra a lei: população sem chance de participar e decidir
7 – Revogação do decreto: um passo atrás para muitos passos à frente depois?
8 – Apêndice 1 – PPP de Habitação: Projeto Nova Luz turbinado?
9 – Apêndice 2 – Entrevista com Felipe Francisco de Souza, arquiteto e urbanista
10 – Apêndice 3 – Entrevista com Simone Gatti, arquiteta e urbanista
11 – Apêndice 4 – Bastidor da reportagem: secretismo e truculência do Estado
1 – Vazios urbanos?
“Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer comigo”, comentava um morador da região central de São Paulo à saída de audiência pública na Câmara Municipal, em outubro. Sua residência é um dos mais de 900 imóveis de bairros do centro da cidade declarados de interesse social para fins de desapropriação incluídos no decreto 59.273, assinado em 7 de junho de 2013 pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Como ele, outros milhares de moradores e comerciantes afetados pelo decreto é de classe média. Pessoas que não imaginavam que, da noite para o dia, poderiam perder suas propriedades. Para o governo do estado, esses imóveis são “vazios urbanos” – espaços vazios ou subutilizados – mesmo estando em pleno uso há décadas.
2 – Mobilização
3 – “Este Natal vocês já não devem passar em casa”
4 – Erro pontual ou “mapeamento aéreo”?
5 – Do caso a caso à resistência organizada
6 – Contra a lei: população sem chance de participar e decidir
7 – Revogação do decreto: um passo atrás para muitos passos à frente depois?
8 – Apêndice 1 – PPP de Habitação: Projeto Nova Luz turbinado?
9 – Apêndice 2 – Entrevista com Felipe Francisco de Souza, arquiteto e urbanista
10 – Apêndice 3 – Entrevista com Simone Gatti, arquiteta e urbanista
11 – Apêndice 4 – Bastidor da reportagem: secretismo e truculência do Estado
1 – Vazios urbanos?
“Eu nunca imaginei que isso pudesse acontecer comigo”, comentava um morador da região central de São Paulo à saída de audiência pública na Câmara Municipal, em outubro. Sua residência é um dos mais de 900 imóveis de bairros do centro da cidade declarados de interesse social para fins de desapropriação incluídos no decreto 59.273, assinado em 7 de junho de 2013 pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Como ele, outros milhares de moradores e comerciantes afetados pelo decreto é de classe média. Pessoas que não imaginavam que, da noite para o dia, poderiam perder suas propriedades. Para o governo do estado, esses imóveis são “vazios urbanos” – espaços vazios ou subutilizados – mesmo estando em pleno uso há décadas.
Contribuiu para o choque de tais moradores a maneira como foram informados: na maior parte dos casos, proprietários e inquilinos receberam cartas com “ofertas de serviços” de advogados. Eram escritórios de advocacia que tiveram acesso ao decreto por meio do Diário Oficial tentando vender seus serviços. Argumentavam que os moradores precisavam se defender o quanto antes, o que agravou o medo pela iminente perda dos imóveis.
Embora tenha espalhado pânico entre os proprietários, o contato enviesado dos advogados foi o único meio pelo qual souberam sobre o possível destino de suas propriedades. Segundo todos os entrevistados para esta reportagem, o governo do estado não os procurou em nenhum momento para falar sobre as desapropriações, nem antes nem depois da publicação do documento no Diário Oficial.
O decreto 59.273/2013 é parte da chamada Parceria Público-Privada (PPP) de Habitação do Centro, parceria entre os governos estadual e municipal de São Paulo, empreiteiras e governo federal para a construção de 20 mil moradias para pessoas de baixa renda no centro da capital paulista. O projeto está orçado em R$ 4,6 bilhões, dos quais R$ 2,6 bilhões virão da iniciativa privada, R$ 1,6 bilhão do governo do estado em parceria com o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, e R$ 404 milhões serão aportados pela prefeitura paulistana.
Das 20 mil unidades habitacionais previstas para serem construídas, apenas 2 mil serão destinadas às famílias que recebem até 3 salários mínimos, consideradas de baixíssima renda e que representam cerca de 80% do déficit habitacional do país. As demais unidades são para famílias que recebem de 4 a 16 salários mínimos.
De acordo com representantes da Casa Paulista, agência da Secretaria Estadual de Habitação (Sehab) responsável pela PPP, e do Instituto Urbem, empresa privada vencedora da licitação pública para a elaboração do projeto, as novas moradias seriam construídas nos tais “vazios urbanos”. Ouça abaixo o arquiteto Milton Braga, um dos responsáveis pelo projeto urbanístico da PPP de Habitação:
Um mapeamento feito por moradores das regiões atingidas pelo projeto, no entanto, mostra que dos 950 imóveis mapeados a partir da lista de endereços divulgada pelo decreto, apenas 85 estavam vazios ou aparentemente abandonados, 36 são moradias precárias (pensões e cortiços) e 48 são imóveis de uso indeterminado ou que não foram encontrados. Segundo esse mapeamento, 86% dos imóveis listados para desapropriação estão ocupados. Clique nas imagens para ver detalhes:
Não apenas o decreto de desapropriação em si foi criticado pela sociedade, mas também a maneira como seria executado. Segundo o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, o Estado transferiria um poder que é exclusivo seu, o de desapropriação, ao setor privado. Este poderia, então, não apenas desapropriar, mas também lucrar sobre os terrenos. A estratégia, segundo especialistas, pode deixar os proprietários de imóveis à mercê das vontades do mercado imobiliário. “Quando o concessionário atua como intermediário entre o poder público e o cidadão, o poder público perde totalmente o controle sobre como se dá esse processo. Aí há a chance de acontecerem os ‘cheques despejos, que se tornou prática corrente na política municipal de São Paulo’”, alerta a arquiteta e urbanista Simone Gatti, que participou do processo de resistência ao Projeto Nova Luz durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD).
2 – Mobilização
Cerca de um mês depois que o decreto foi emitido, pessoas atingidas por ele começaram a se mobilizar nas redes sociais, reuniões de bairro e em audiências públicas com gestores da Casa Paulista e da Sehab para pressionar o governo estadual contra as desapropriações. Nas dezenas de entrevistas realizadas pelo Arquitetura da Gentrificação (AG) para esta reportagem e também durante as audiências, reuniões e debates acompanhados ao longo de cinco meses, repetiram-se, entre moradores e comerciantes com imóveis listados no documento, os relatos de medo de despejo, insegurança, tristeza e total falta de acesso aos planos do poder público.
No fim de novembro, a pressão popular parece ter surtido efeito. Em nota publicada no jornal “O Estado de S. Paulo” em 22 de novembro, a colunista Sonia Racy adiantava que o governo estadual havia revogado o decreto 59.273. A explicação vinha em aspas do próprio secretário estadual de Habitação, Silvio Torres, que concedeu entrevista à jornalista um dia antes da publicação da nota: “Decidimos ser melhor estabelecer perímetros de ação e desapropriar conforme os projetos para a área forem se concretizando”. A nota não menciona o fato de que a maioria dos imóveis listados está em pleno uso, e que por isso o decreto estava sendo contestado pela sociedade.
Com base no que foi publicado pelo jornal, o AG entrou em contato com a assessoria de imprensa da Sehab e foi informado de que o órgão só se pronunciaria sobre a revogação depois que fosse publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo – o que aconteceu seis dias depois, em 28 de novembro. Nesse mesmo dia, o AG voltou a procurar a assessoria da Sehab. A resposta veio em 5 de dezembro, como nota padrão à imprensa:
Embora a notícia da revogação tenha sido comemorada por pessoas afetadas pelo decreto, muitas estão céticas, pois acreditam que a ação do governo foi uma estratégica para diluir a resistência da sociedade civil. O texto do decreto de revogação traz uma forte evidência de que o governo do estado se prepara, do ponto de vista jurídico, para não ser “incomodado” pela população caso reinicie um novo processo de desapropriação. Não se sabe ainda quando, e se, haverá a publicação de um novo decreto.
Confira a seguir os detalhes desse projeto que, com o objetivo de construir moradias e “revitalizar” o centro da cidade, ameaça desalojar milhares de pessoas, além de fechar indústrias e comércios consolidados.
3 – “Este Natal vocês já não devem passar em casa”
Essa frase foi dita pelo advogado Eduardo Tadeu Gonçalves, do escritório Rodriguez Gonçalves, a moradores da rua Tenente Pena, no Bom Retiro, durante reunião de esclarecimento marcada por cerca de 20 residentes e comerciantes daquela rua que, pela primeira vez, tentavam entender o que era o decreto de desapropriação. Com a frase, o advogado quis alertar para o caminho rápido e sem volta do decreto assinado por Alckmin em junho. O escritório Rodriguez Gonçalves foi um dos que propagandearam seus serviços deixando sob a porta dos moradores dessa localidade do Bom Retiro uma pasta contendo apresentação do tema e currículo da empresa, e por isso foi chamado para uma conversa na comunidade.
3 – “Este Natal vocês já não devem passar em casa”
Essa frase foi dita pelo advogado Eduardo Tadeu Gonçalves, do escritório Rodriguez Gonçalves, a moradores da rua Tenente Pena, no Bom Retiro, durante reunião de esclarecimento marcada por cerca de 20 residentes e comerciantes daquela rua que, pela primeira vez, tentavam entender o que era o decreto de desapropriação. Com a frase, o advogado quis alertar para o caminho rápido e sem volta do decreto assinado por Alckmin em junho. O escritório Rodriguez Gonçalves foi um dos que propagandearam seus serviços deixando sob a porta dos moradores dessa localidade do Bom Retiro uma pasta contendo apresentação do tema e currículo da empresa, e por isso foi chamado para uma conversa na comunidade.
Milan e Nilza Weiss, de 71 e 66 anos respectivamente, aposentados e moradores da rua Tenente Pena há 25 anos, perderam as energias. “Tínhamos uma reforma prevista para a casa, mas deixamos de lado. Minha esposa agora está tomando antidepressivo”, conta Milan. A seis quilômetros dali, na rua Rocha, na Bela Vista, a mesma história se repete. O engenheiro Fábio Minoru Hiratomi ficou sabendo do decreto por meio de cartas enviadas por escritórios de advocacia e por suas vizinhas de comércio, donas da Barrica Negra, importadora de vinho também incluída nas possíveis desapropriações. “As meninas da Barrica chegaram chorando para contar. Foram informadas pelo corretor delas. Recebemos duas ou três cartas de escritórios de advogados oferecendo serviços”, conta Minoru, que tem uma oficina de funilaria e pintura há dez anos no local.
Sem saber do que estava por vir, este ano Minoru investiu cerca de R$ 350 mil no imóvel para a instalação de um centro automotivo. Ao todo, os negócios do empresário na rua Rocha – incluindo um estacionamento – empregam 36 funcionários. Todos os imóveis são alugados. “Minha família e eu vivemos disso. [Se a desapropriação acontecer] eu fecharei a empresa e não irei procurar outro espaço. Não tenho mais condições de buscar outro negócio, local, mudar a empresa daqui pra lá. Viraria empregado em alguma empresa. Honraria financiamentos, indenizaria funcionários, mas fecharia”, avalia o empresário.
Assim como ele, o casal Maria Paula Macedo e Naur Augusto aplicaram suas economias no negócio, o bar noturno Titus (apelido de Naur), também na rua Rocha. “A gente abandonou duas carreiras para investir no bar. Eu sou publicitária e o Naur é produtor de cinema. Ele vendeu o apartamento para investir. Queríamos começar a abrir para o almoço. Empregaríamos pelo menos mais dez funcionários além dos seis que já temos, mas não temos condições de fazer isso por medo [da desapropriação]”, conta Maria Paula, em entrevista feita antes da revogação do decreto. A casa onde está o bar, um sobrado, é alugada. O andar de cima é residência de uma família que também é inquilina no imóvel. Segundo a empresária, o proprietário da casa não quer vendê-la, pois é de família e sua fonte de renda. Ela garante que têm sido comuns as investidas de construtoras tentando comprar casas na região. “Um corretor procurou um vizinho oferecendo um valor baixo, dizendo que vai ter habitação popular e que vai desvalorizar, e que por isso era melhor vender antes para não perder mais dinheiro”, narra a empresária.
Para Minoru, a causa da PPP de Habitação é nobre, mas esta está sendo executada de forma equivocada. “Tinha de ser feita uma consulta pública com os afetados, saber quantos empregos seriam perdidos, qual o impacto sobre a população”, diz. O casal Nilza e Milan, Maria Paula, Naur, Minoru, os moradores e comerciantes da rua Tenente Pena e todas as demais pessoas com imóveis incluídos no decreto entrevistadas para esta reportagem foram unânimes em dizer que em nenhum momento foram procuradas pelo poder público para serem informadas das desapropriações.
4 – Erro pontual ou “mapeamento aéreo”?
Assim que surgiram as primeiras críticas públicas da população ao decreto, em agosto, o subsecretário da agência Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, passou a explicar, sempre que era questionado em audiências e encontros públicos, que se tratava de erros técnicos pontuais as escolhas de imóveis e terrenos em uso a serem desapropriados. Os erros, segundo Iapequino, seriam revistos por profissionais da empresa estadual Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS) e corrigidos em seguida no decreto.
O mapeamento realizado de forma independente pela bióloga Claudia Roedel e outros moradores da região central, porém, mostrou que os erros não configuravam ocorrências isoladas, e sim uma escolha aparentemente deliberada de imóveis e terrenos independentemente de estes serem ou não vazios urbanos. O critério de escolha, segundo a análise, respeita apenas desenhos urbanos, que ora se parecem com uma nova rua a ser aberta, ou uma passagem, ora se assemelham a blocos que, uma vez vazios, poderiam receber construções do porte de um shopping center, por exemplo. Parte dos endereços das desapropriações está concentrada em áreas onde há estações de metrô e trem em funcionamento ou, ainda, próximas a novas estações já planejadas. São regiões cuja valorização do preço da terra elevará o preço dos imóveis e do custo de vida, tornando a moradia inacessível para pessoas de baixa renda.
“Em uma entrevista à TV Gazeta, Silvio Torres diz que vão pagar o valor de mercado pelos imóveis desapropriados. Vamos supor que paguem mesmo o valor de mercado por esses imóveis todos aqui [da rua Rocha], que são comerciais e residenciais [valor médio de R$ 800 mil]. Depois vão demolir, retirar entulho, construir fundações de várzea [que são mais caras], fazer um trabalho decente de esgoto para não jogar no rio… e vão vender cada unidade por menos de R$ 190 mil? [valor máximo financiado pelo programa Minha Casa, Minha Vida na região metropolitana de São Paulo]. Como eles vão ter lucro nisso?”, questiona Claudia. “Há um imóvel [na lista de desapropriação] que são três prédios de seis andares cada um e comércio embaixo. Como demolir um troço desses para construir algo novo vai conseguir gerar unidades habitacionais a serem vendidas a R$ 190 mil cada uma?” Claudia não tem imóvel listado no decreto, mas tem amigos e vizinhos próximos que foram incluídos na lista e por isso se dispôs a ajudá-los produzindo informação estratégica. A bióloga acompanha a movimentação do governo de perto e replica notícias e artigos na página “Desalojados do Alckmin”, no Facebook, criada em agosto.
Outra pessoa a apontar as incongruências do decreto de desapropriação é a arquiteta e urbanista Simone Gatti. “Nas conversas que ouvi do Philip Yang [diretor do Instituto Urbem] e Milton Braga [um dos arquitetos responsáveis pelo projeto da PPP feito pelo Urbem], ficou claro que o processo de como fizeram a escolha dessas áreas foi muito parecido com o do Projeto Nova Luz: é o projeto feito de helicóptero. A análise é feita através do Google Maps, voos de helicóptero contratado e pesquisa de campo superficial”, afirma Simone. O problema, de acordo com ela, é que planejadores urbanos e gestores públicos ainda “tratam a cidade como desenho urbano e esquecem a questão do direito à cidade”. “No decreto de desapropriação é possível ver o absurdo que é lançar um decreto sem pesquisa fundiária”, completa a arquiteta.
Outra constatação de Simone sobre a escolha das áreas pelo Urbem é que foram usados critérios meramente estéticos imbuídos de uma ideologia própria. Segundo ela, esses critérios definiram, de forma arbitrária, os conceitos de “feiura”, “pobreza” e “degradação” para, em seguida, classificarem como “vazios urbanos” todos os imóveis que se enquadrassem nesses conceitos. “Grande parte da moradia de determinadas áreas da região central da cidade é ocupada por população de baixa renda. Quando você elenca essa ocupação como feia, mal cuidada, com pouca estrutura física, você a considera subutilizada?”, questiona a arquiteta. Assina o projeto do Urbem também o arquiteto e urbanista Fernando de Mello Franco, que hoje encabeça a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). Mello Franco está ligado ao escritório MMBB, que trabalhou no projeto da PPP de Habitação, e do qual se licenciou este ano para ocupar o cargo público.
Em entrevista à revista “Piauí”, edição de setembro deste ano, o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, sai com o repórter para uma volta de táxi pela cidade e, próximo da avenida Radial Leste, apontando para “casas cinza com as fachadas pichadas”, diz: “Olha só o cenário, é muita feiura. Minha primeira inconformidade é com a feiura. Depois eu racionalizo. Por que é assim? Uma cidade tão ineficiente, com tanto trânsito, então você descobre que tudo faz parte da mesma equação”. Procurado pelo AG, Philip Yang não quis dar entrevista, mesmo tendo diversas vezes defendido o projeto em eventos públicos.
5 – Do caso a caso à resistência organizadaA primeira vez que os afetados pelo decreto se manifestaram diretamente ao gestor do projeto contra a desapropriação foi em 20 de agosto, durante apresentação sobre a PPP de Habitação na Associação Viva o Centro, entidade que, segundo sua página na internet, promove o “desenvolvimento urbano, social e funcional do Centro de São Paulo” e tem como principais associados banqueiros e empresários.
5 – Do caso a caso à resistência organizadaA primeira vez que os afetados pelo decreto se manifestaram diretamente ao gestor do projeto contra a desapropriação foi em 20 de agosto, durante apresentação sobre a PPP de Habitação na Associação Viva o Centro, entidade que, segundo sua página na internet, promove o “desenvolvimento urbano, social e funcional do Centro de São Paulo” e tem como principais associados banqueiros e empresários.
O que era para ser uma simples exposição do projeto feita pelo subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, acabou se tornando um acalorado debate marcado por falas dos atingidos. Eles exigiam do subsecretário explicações sobre os critérios usados pelo governo na escolha dos imóveis e terrenos e sobre a falta de informação pública, e, principalmente, expunham narrativas que provavam que suas residências e comércios não eram vazios urbanos. O AG esteve presente e registrou a íntegra do encontro. Assista aqui.
Pressionado, Iapequino voltou a defender a tese do “erro pontual” do decreto e a afirmar que todos os equívocos seriam corrigidos mediante vistoria feita pela Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS). Para demonstrar boa vontade, ele deu o próprio email profissional aos presentes e pediu que estes lhe enviassem os nomes completos e endereços para que seus imóveis fossem retirados da lista de desapropriação. Com a estratégia de tratar caso a caso, os ânimos se acalmaram um pouco durante a reunião, e a exposição sobre a PPP pôde prosseguir.
Ao longo das semanas após o anúncio da lista de desapropriações, outras aberrações foram surgindo: conventos, escolas, creches, equipamentos culturais e comércios tradicionais da cidade também estavam no decreto. Com a exposição dos casos na imprensa, o poder público se viu obrigado a ampliar o “caso a caso” e demonstrar interesse sobre a situação dos afetados. Foi assim com a Padaria 14 de Julho, tradicional no bairro do Bixiga e que funciona no mesmo imóvel desde 1897.
“Não tivemos notificação nenhuma [do poder público]. Foi um advogado que passou aqui oferecendo serviço para nos defender. Depois que a gente saiu na imprensa, veio à padaria o secretário de Habitação [do estado, Silvio Torres] com mais umas quatro pessoas dizendo que a desapropriação não aconteceria. Disseram que deve ter havido um engano e que estavam reavaliando”, disse o proprietário Alexandre Ricardo Franciulli.
Inaugurado na década de 1970, o condomínio Nova Perimetral, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, também recebeu a promessa de ser “retirado” do decreto. “Foi um erro que incluiu nosso condomínio. A gente fez um ofício para a Sehab, fomos lá e retificamos. Fui a uma reunião com um diretor da Casa Paulista”, afirmou o síndico do Nova Perimetral, Flavio Guarniero, que não soube dizer com precisão o nome do diretor do órgão público com quem conversou. O condomínio, em pleno uso, tem 312 apartamentos, cerca de 900 moradores e 28 lojas no térreo.
Segundo Rosana Rocha Pinto, moradora presente no encontro da Associação Viva o Centro e cuja residência constava no decreto, a luta contra as desapropriações ganhou força quando o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol) decidiu apoiar a causa. Em 16 de agosto, quatro dias antes da reunião na associação, o deputado realizou audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para discutir estratégias de resistência em nível jurídico. Na ocasião, Giannazi propôs o Projeto de Decreto Legislativo 09/2013 para revogar o decreto 59.273. Em 23 de agosto, o deputado conseguiu uma audiência pública com os moradores e o secretário estadual de Habitação, Silvio Torres. Naquele dia, Torres afirmou que os imóveis residenciais e comerciais em uso seriam retirados do decreto, e que sua equipe estava “fazendo um pente fino” para encontrar outras falhas na lista de imóveis que seriam desapropriados. Em 2 de setembro, foi realizada nova audiência na Alesp, durante a qual os moradores entregaram à Sehab uma relação de imóveis que cumpriam a função social. Cinco dias depois, uma nova lista foi protocolada e entregue ao subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino.
Rosana afirma que pouco tempo depois das audiências e entrega das listas, técnicos da CPOS visitaram sua casa e as de outras pessoas no Bom Retiro. Fábio Minoru Hiratomi, empresário do setor automotivo com negócios na rua Rocha, na Bela Vista, também afirmou que funcionários “em uma Kombi da prefeitura” visitaram seu empreendimento em meados de novembro. “Perguntaram quantos funcionários havia, há quanto tempo o imóvel estava alugado e quando foi inaugurada a Caçula de Pneus [franquia de Minoru]. O técnico fotografou e na parte [do relatório onde estava] ‘desapropriar ou não’, marcou ‘não’. Disseram que era só uma pesquisa por conta da desapropriação. Eles me mostraram que [a empresa] constava como um galpão vazio”, contou Willian Novaes Machado, gerente na empresa de Minoru.
Com o trabalho de resistência ganhando corpo e demandando estratégias, os afetados pelo decreto decidiram montar uma associação. “A ideia surgiu porque para a gente lutar [em um nível institucional] é muito mais fácil quando se tem um CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica]”, conta Rosana, que será a presidenta da entidade. Toda a documentação para a criação da associação já foi entregue ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo (RCPJ/SP). Prevendo que a atuação da entidade não será restrita ao caso da PPP de Habitação do Centro, a razão social escolhida para nomeá-la foi “Associação dos Munícipes de São Paulo Afetados por Decretos de Desapropriação”. O nome fantasia ainda está sendo decidido pelos membros da entidade, que conta com 11 pessoas – presidente, vice, dois secretários, dois tesoureiros, três conselheiros fiscais e dois suplentes.
6 – Contra a lei: população sem chance de participar e decidir
O projeto desenvolvido pelo Instituto Urbem para a PPP de Habitação no Centro não contou, em nenhum momento, com a participação da população, como manda o artigo 2º, inciso II, do Estatuto da Cidade, que é lei federal: “(…) gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”. Outra violação legal da PPP é a não formação do Conselho Gestor de Zeis (Zona Especial de Interesse Social). A criação do conselho é obrigatória, segundo o Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002, sempre que um projeto estiver sobre Zeis, áreas destinadas prioritariamente à regularização fundiária, urbanização e construção de habitação social, como é o caso de diversas regiões do centro da cidade abarcadas pela PPP. O conselho, de acordo com o PDE, deve ser composto por representantes dos atuais ou futuro moradores e do Executivo, que deverão participar de todas as etapas de elaboração do Plano de Urbanização e de sua implementação”.
Além disso, mesmo estando pronto desde outubro de 2012, o projeto do Instituto Urbem só chegou ao conhecimento público em meados de novembro deste ano, com a publicação, no site da Casa Paulista, dos 12 tomos dos estudos desenvolvidos pelo instituto, que embasaram o desenho urbanístico da PPP. Na Câmara Municipal, a primeira audiência pública para tratar do tema só aconteceu em 9 de outubro deste ano, mesmo estando prevista a participação da prefeitura com R$ 404 milhões em investimentos para o programa e com o decreto de desapropriação publicado desde junho. Nessa audiência, foram apontadas semelhanças entre os erros nas consultas públicas da PPP e do projeto Nova Luz, “engavetado” pelo prefeito Fernando Haddad no início do ano. O registro dessa audiência pode ser visto aqui (basta digitar “PPP” no espaço de busca para encontrar o vídeo).
Atento a essas violações, o promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de São Paulo (MP), Maurício Ribeiro Lopes, moveu uma ação civil pública pedindo a suspensão da PPP de Habitação do Centro, com o argumento de que não houve a participação pública exigida pelo Estatuto da Cidade e pelo PDE; no caso, a não formação do Conselho Gestor de Zeis. Com a suspensão, o promotor queria forçar o Estado a reformular o projeto considerando a participação da sociedade civil em todo o processo. Em julho, Ribeiro Lopes teve liminar negada em primeira instância pelo juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª. Vara de Fazenda Pública. O promotor recorreu e, em 23 de agosto, o desembargador Xavier de Aquino, da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deferiu a liminar, suspendendo a PPP temporariamente.
Em 1º de outubro, o promotor Ribeiro Lopes reuniu-se a portas fechadas no MP com o secretário estadual de Habitação, Silvio Torres, e com o subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, com o objetivo de negociar a participação efetiva da população na PPP. No entanto, segundo o próprio promotor, a conversa não avançou. “Eles querem esperar a decisão judicial que foi proposta. (…) Eles têm esperança de que vão derrubar a decisão judicial e que não vão precisar negociar com o Ministério Público, e vão fazer as coisas como eles acham que devem ser feitas”, declarou Ribeiro Lopes ao AG à época.
Menos de dois meses depois de suspender o projeto, em 16 de outubro o desembargador Xavier de Aquino voltou atrás em sua decisão e revogou a própria liminar. Como justificativa, escreveu: “Houve audiência pública, levada a efeito no dia 27.02.2013 (…) sendo certo que dela participaram quase uma centena de pessoas, destacando-se representantes de movimentos de moradia, Defensoria Pública, Universidades, bem como entidades da sociedade civil, quando então o tema nuclear foi amplamente discutido (houve lista de presença e ata respectiva)”.
Um dia depois, o promotor Ribeiro Lopes falava ao AG sobre a decisão do desembargador: “Há uma incorreção [na justificativa do desembargador Xavier de Aquino] ao dizer que houve uma audiência pública em fevereiro. Não foi em fevereiro, foi em março, e essa audiência pública foi realizada não para atender qualquer disposição do Estatuto da Cidade, mas para atender a lei de licitações. Então é uma audiência pública com uma finalidade completamente diversa da participação popular prevista no Estatuto da Cidade como uma condição primeira da gestão democrática da cidade. Isso provoca uma alteração profunda da vida da cidade. As pessoas afetadas não foram cientificadas em nenhum momento para que pudessem, de alguma forma, participar do projeto”.
Procurado pela reportagem do Arquitetura da Gentrificação, o desembargador Xavier de Aquino concedeu a seguinte entrevista em seu gabinete:
Em que se baseou a sua primeira decisão de conceder a liminar?Todo magistrado, quando recebe uma decisão, pretende a manutenção do status quo ante, que é manter as coisas como estão. Depois vieram informações [do governo do estado] e o pedido de reconsideração, dando conta de que o promotor de Justiça que havia intentado a ação estava exigindo certas cautelas que foram atendidas. Eu verifiquei dentro do processo e elas estavam atendidas. Daí que reconsiderei minha decisão anterior.
Que documentos o estado forneceu?Primeiramente, o representante do MP exigiu a participação de várias pessoas nessa audiência pública, e eu verifiquei que realmente participaram universidades, o povo. Menos o promotor de Justiça. Ele não compareceu. E ele não foi claro na sua exigência, ele falou genericamente.O senhor cita uma audiência pública na sua justificativa. Essa audiência era uma mera formalidade da lei de licitação, segundo o promotor.E nessa audiência ele [promotor] não compareceu, conforme lhe cumpria. Eu tenho de verificar no exame dos autos quando vou julgar o mérito da questão se não existe uma higienização da população local. Mas é público e evidente que a função social da propriedade nesse projeto da PPP de revitalização do centro vai dar dignidade humana às pessoas que ali podem eventualmente viver. Não vão desalojar as pessoas dali. Vão dar a oportunidade de uma vida digna com supermercado, shopping center, espaço para andar com bicicleta às pessoas que lá circulam e vivem hoje em situações não muito dignas.O senhor tem acompanhado a questão do decreto de desapropriação de mais de 950 imóveis cujos proprietários não foram avisados?Essa notícia não tem nos autos. Na verdade estou sabendo por você, que está me dizendo isso agora.Faço essa pergunta porque toda a argumentação do promotor se baseia no fato de que não houve participação pública no processo de criação…O que ele não explicou é que quando ele podia participar, ele não participou.É essencial que ele participe?Qualquer pessoa, quando entra com uma ação civil pública ou um instrumento que a valha, [é importante que] mostre interesse. Ele disse também de forma genérica que ele queria participação maior, e aqui no caso houve participação popular, universidades, população local. As pessoas mostraram interesse, e ele não apareceu. Eu verifiquei tudo isso no processo e daí que eu resolvi reconsiderar minha atuação anterior. Porque não basta alegar, é necessário que se prove, que se mostre interesse.O senhor alega que ele foi genérico na solicitação. Como seria uma solicitação específica de participação popular?Ele devia dizer o porquê das coisas. Não basta alegar eu quero isso e aquilo.
Esta última afirmação de Xavier de Aquino faz eco a uma fala do subsecretário da Casa Paulista, Reinaldo Iapequino, dita durante audiência pública em 9 de outubro na Câmara Municipal de São Paulo – portanto, uma semana antes de o desembargador revogar a suspensão da PPP: “Eu tendo a não concordar plenamente com o promotor quando ele diz que não houve participação popular. Pode não ter havido do jeito que ele entende que não houve”, disse Iapequino (na Galeria de Vídeo no site da Câmara, basta digitar “PPP” na caixa de busca. A fala começa no minuto 102).
Como Xavier de Aquino, o subsecretário questiona os critérios de participação pública utilizados pelo promotor Ribeiro Lopes para justificar a ação civil pública, critérios retirados do Estatuto da Cidade (lei federal) e do Plano Diretor Estratégico de 2002, lei municipal. O desembargador vai ainda mais longe no questionamento ao dizer que Ribeiro Lopes foi genérico em sua solicitação.
O AG teve acesso à íntegra da ação civil pública e identificou que entre as páginas 14 e 21 do documento, Maurício Ribeiro Lopes fundamenta e dá detalhes, com base na lei, sobre aspectos concretos de como seria a participação pública. Em contraposição, na página 22, o promotor diz o que não é participação popular, referindo-se exatamente à audiência realizada em março deste ano e que o governo estadual, e depois o desembargador Xavier de Aquino, utilizam como argumento para dizer que a sociedade civil participou, sim, da PPP: “Apresentações de power point apresentadas na audiência pública que – insta-se – nada teve a ver com participação popular em formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano – promovidos pelo Governo do Estado não podem ser considerados informações prestadas à população; são meros esquemas sem os respectivos materiais de fundamento: estudos, projetos, planos, programas, absolutamente insuficientes para o conhecimento do assunto, necessário ao exercício da constitucional democracia participativa”.
Para dar força à sua argumentação, o promotor público cita, a partir da página 31, ação civil pública análoga proposta por ele em 2011, contra a Prefeitura de São Paulo no caso da Operação Urbana Consorciada Vila Sônia. À época, o juiz Marcos de Lima Porta, da 5ª Vara da Fazenda Pública, determinou a suspensão do projeto por falta de participação popular na sua criação, como manda o Estatuto da Cidade. A prefeitura ainda tentou recorrer com um agravo de instrumento, mas não conseguiu reverter os efeitos da liminar. O projeto segue paralisado.
7 – Revogação do decreto: um passo atrás para muitos passos à frente depois?
“Com um decreto desses fica tudo mais fácil. Estão mudando as leis, reloteando São Paulo. De que adianta ter um imóvel com escritura se a construtora bate aqui e te manda sair? As pessoas não entendem que isso pode acontecer com elas daqui a algum tempo, com um parente, no Brasil inteiro. Estão vendendo tudo de novo!” O alerta foi feito em 13 de novembro pela empresária Maria Paula Macedo, que teve o bar incluído na lista de desapropriações.
7 – Revogação do decreto: um passo atrás para muitos passos à frente depois?
“Com um decreto desses fica tudo mais fácil. Estão mudando as leis, reloteando São Paulo. De que adianta ter um imóvel com escritura se a construtora bate aqui e te manda sair? As pessoas não entendem que isso pode acontecer com elas daqui a algum tempo, com um parente, no Brasil inteiro. Estão vendendo tudo de novo!” O alerta foi feito em 13 de novembro pela empresária Maria Paula Macedo, que teve o bar incluído na lista de desapropriações.
Onze dias depois, a presidenta Dilma Rousseff sancionava a Lei 12.873, que trata da modernização de armazéns que guardam produtos agropecuários. Aparentemente, a nova lei não tem qualquer relação com a questão das desapropriações. Mas uma manobra dos parlamentares fez que um artigo fosse “contrabandeado” para o meio dela. Trata-se do artigo 49, que em sua redação, altera o artigo 4º do Decreto-Lei 3365, de 1941, que fala das desapropriações por utilidade pública. Com a alteração, o artigo 49 da Lei 12.873, sancionada em 24 de novembro deste ano, determina o seguinte: “Quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantindo ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade”.
Nas palavras da arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, “isso vai permitir que uma empresa privada que ganhe uma concessão para reurbanizar um bairro numa cidade qualquer – Botafogo, no Rio de Janeiro, por exemplo –, possa não apenas realizar as obras, como já acontece hoje, mas também tornar-se dona do bairro inteiro, pois também poderá desapropriar para depois investir em megaempreendimentos imobiliários naquele território”.
Quando o Projeto Nova Luz foi combatido pela sociedade civil durante a gestão Kassab, não foi posta em questão apenas a falta de participação pública , mas também o uso do instrumento chamado “concessão urbanística”. Este instrumento previa, em essência, exatamente o que pretende a PPP de Habitação do Centro e o que foi legitimado, em nível federal, pela presidenta Dilma na Lei 12.873/2013: a transferência do poder de desapropriação do Estado ao setor privado, e a produção do lucro, pelo mercado, sobre os imóveis e terrenos desapropriados.
No debate realizado em agosto na sede da Associação Viva o Centro, o AG questionou o subsecretário Iapequino sobre a semelhança entre a concessão urbanística utilizada no Nova Luz e a estratégia utilizada na PPP de Habitação. Ele negou a similaridade, apesar de todas as evidências. Veja no vídeo (início em 1:09:19):
Proposto em dissertação de mestrado em 2001 pelo jurista Paulo Lomar e incorporado ao Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002, o instrumento de concessão urbanística tem o objetivo, segundo seu criador, de desburocratizar e dar celeridade a atividades e processos de urbanização. À época do Projeto Nova Luz, o instrumento teve sua constitucionalidade veementemente questionada. “Esse projeto de lei [do Projeto Nova Luz] está criando, na prática, a figura de concessionária de especulação imobiliária, atividade vedada ao próprio poder público. Como é possível transferir a particular o poder de desapropriar para fins de revenda, o que é vedado ao próprio poder público?”, questionou o jurista Kiyoshi Harada (leia a crítica completa aqui).
Coincidência ou não, o decreto de desapropriação 59.273 da PPP de Habitação do Centro foi revogado em 28 de novembro, menos de um mês depois da sanção da nova lei por Dilma Rousseff, e trouxe, entre as justificativas para a revogação, justamente o tal artigo 49, que foi “contrabandeado” para dentro da nova lei: “Considerando a edição da Lei Federal 12.873, de 24 de outubro de 2013, que altera o Decreto-lei federal 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre as desapropriações de utilidade pública (…)”.
Entre especialistas, moradores afetados pela PPP e pessoas que acompanharam o processo do Projeto Nova Luz, o “passo atrás” representado pela revogação é, na verdade, muitos passos à frente, um movimento estratégico do governo estadual que se blinda com a nova lei e torna mais difícil a contestação da constitucionalidade das desapropriações que serão feitas pelo setor privado.
A fala do secretário estadual de Habitação, Silvio Torres, à jornalista Sonia Racy em 22 de novembro, também levantou suspeitas. “Decidimos ser melhor estabelecer perímetros de ação e desapropriar conforme os projetos para a área forem se concretizando”, disse Torres. Para os moradores afetados pela PPP, a estratégia de desapropriar projeto a projeto tem o objetivo de dispersar a resistência, fazendo que os moradores de diferentes bairros não briguem mais por uma mesma demanda, mas apenas pela de seu bairro.
Para o arquiteto e urbanista Felipe Francisco de Souza, revogar o decreto e desarticular os movimentos é, sim, uma estratégia do governo. “Veja a concessão urbanística: a maioria das aprovações ocorreu na gestão Haddad, [num contexto em que] os movimentos respiraram aliviados com a entrada do PT no poder. [Houve] diversas aprovações, chancelas e julgamentos que possibilitam a utilização do instrumento da concessão urbanística e também a possibilidade de transferência dos ‘poderes de desapropriação ao privado’”, diz o urbanista. “[Há] o andamento da revisão do Plano Diretor de São Paulo, que não descartou o instrumento [de concessão urbanística] de seu corpo de texto, e a empreitada bem-sucedida do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para aprovar a medida provisória concedendo ‘transferência de poderes’”, completa Souza, referindo-se à Lei 12.873. A introdução do artigo 49 na lei, segundo o urbanista, foi articulada durante meses pelo deputado Cunha.
Felipe Francisco de Souza é autor do livro “A batalha pelo Centro de São Paulo – Santa Ifigênia, Concessão Urbanística e Projeto Nova Luz”, sobre a tentativa de implementação do Nova Luz no centro da cidade. Quando o escreveu , Felipe de Souza trabalhava como planejador urbano na Prefeitura de São Paulo, onde permaneceu de 2001 a 2010, durante as gestões Marta Suplicy (PT), José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD) (veja entrevista exclusiva com ele no Apêndice 2).
Estava previsto para 21 de novembro o lançamento do edital de licitação para a contratação das empresas e consórcios que executariam o projeto do Urbem para a PPP. Com a revogação do decreto de desapropriação, porém, a licitação foi cancelada, e não foi possível, até o momento, saber quais os próximos planos do governo, nem quando e se serão anunciados. Outro fato recente também lança dúvidas sobre o edital de licitação da PPP: o escândalo da quadrilha de auditores da gestão Kassab que, em parceria com empresas do setor imobiliário, fraudavam o pagamento de ISS aos cofres públicos. O prefeito Fernando Haddad afirmou que pelo menos 15 empresas, entre incorporadoras e construtoras, serão investigadas.
Os nomes ainda não foram revelados e, ao que parece, não o serão tão cedo. Se mesmo com essa blindagem sobre o setor imobiliário o edital de licitação for lançado, será mais uma opacidade a envolver a execução da PPP de Habitação, pois não será possível saber se os concorrentes estão ou não envolvidos no esquema de corrupção.
A bióloga Claudia Roedel, que mapeou os imóveis listados no decreto, acredita que o governo pode tomar decisões importantes sobre a PPP de Habitação durante o período de festas e férias de fim de ano, quando haverá pouca gente para resistir a algum processo eventualmente arbitrário. Sua afirmação baseia-se na lógica de não participação pública, de falta de transparência e de diálogo em que vem trabalhando a Secretaria da Habitação estadual.
Desde 19 de novembro, e depois com mais ênfase após a publicação da revogação do decreto no Diário Oficial no dia 28 do mesmo mês, o Arquitetura da Gentrificação vem pedindo uma entrevista com Reinaldo Iapequino à assessoria de imprensa da Sehab. Até o momento, no entanto, nenhuma solicitação foi atendida.
8 – Apêndice 1 – PPP de Habitação: Projeto Nova Luz turbinado?Quando o prefeito Fernando Haddad (PT) engavetou o Projeto Nova Luz, em janeiro deste ano, movimentos sociais e urbanistas olharam com ceticismo para a ação. Simone Gatti, arquiteta e urbanista que atuou no processo de resistência ao Nova Luz e ajudou a criar o Conselho Gestor da Zeis da Santa Ifigênia, entendeu que o Nova Luz reapareceria em algum momento. “Assim que foi lançado [o projeto da PPP] eu pensei: é o projeto Nova Luz na cidade toda. Isso antes de sair o decreto de desapropriação. Quando saiu [o decreto], isso só se confirmou”, diz.
O decreto de desapropriação da PPP de Habitação, lançado pelo governo do estado sem que a população afetada fosse avisada antes ou depois da divulgação do documento, repetiu a falta de transparência do então vice-prefeito Gilberto Kassab quando ele lançou o decreto de desapropriação 46.291, em 2005, para executar o Nova Luz. Em seu livro sobre o projeto de Kassab, o urbanista Felipe Francisco de Souza narra: “Naquele período [2005], o então vice-prefeito Gilberto Kassab estava em exercício no cargo de prefeito [ocupado então por José Serra] e declarou de utilidade pública – para fins de desapropriações – , imóveis particulares na Santa Ifigênia ‘necessários à execução de um plano de urbanização’, que, até aquele momento, era inexistente ou desconhecido da população local”.
Outra semelhança evidente é o uso, como instrumento de viabilização do projeto, da transferência do poder de desapropriação do Estado ao setor privado. Haddad, quando anunciou o engavetamento do Nova Luz em janeiro,deixou claro que era contrário a esse modelo: “Havia aspectos da Luz que me preocupavam. Por exemplo, delegar para o agente privado a possibilidade de ele tomar decisão a respeito dos bens a serem desapropriados”. O atual prefeito, no entanto, não deixou de anunciar a parceria com o governo do estado e o aporte de R$ 404 milhões da prefeitura apenas um mês depois de ter se manifestado contra o modelo que delega ao agente privado o controle sobre os bens desapropriados, agora transformado em lei federal pela presidenta Dilma Rousseff.
Falta de participação pública, como obriga o Estatuto da Cidade, não constituição do Conselho Gestor de Zeis, como determina o PDE de 2002, e questionamento na Justiça por conta dessas violações legais também são semelhanças entre o Nova Luz e a PPP de Habitação no Centro. Até o discurso da revitalização, do progresso, do combate à pobreza e à “cracolândia” é mote de convencimento da população tanto de um quanto de outro projeto.
A principal diferença entre o Nova Luz e a PPP está na abrangência. Enquanto no Nova Luz seriam desapropriados 45 quarteirões contíguos nas regiões da Luz e Santa Ifigênia, na PPP de Habitação seriam desapropriados – até a revogação do decreto – mais de 950 imóveis e terrenos espalhados por pelo menos seis bairros: Liberdade, Cambuci, Brás, Bela Vista, Mooca e República. Em termos de impactos sociais, econômicos e estruturais, a PPP superaria de longe o Nova Luz.
Apesar do cenário desfavorável à gestão transparente e democrática que caracterizam os dois projetos, Simone Gatti acredita que a PPP, também à semelhança do Nova Luz, não irá adiante. “A sociedade está se fortalecendo muito, está amplamente engajada e tendo apoio do Ministério Público e da Defensoria [Pública] em relação a essas intervenções que estão indo contra o direito à cidade. Cada desapropriação dessas pode gerar um embate jurídico muito grande.”
‘Tanto a PPP quanto a concessão urbanística seriam uma nova maneira de privatização’
O arquiteto e urbanista Francisco Felipe de Souza trabalhava na Prefeitura de São Paulo quando escreveu o livro“A batalha pelo Centro de São Paulo – Santa Ifigênia, Concessão Urbanística e Projeto Nova Luz”. A obra trata da criação e tentativa de implementação do Projeto Nova Luz pelos governos municipais de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD). Trata, de forma especial, do instrumento de “concessão urbanística”, que permite ao Estado transferir ao setor privado o poder de desapropriar e lucrar com empreendimentos erguidos nas áreas desapropriadas. A essência desse instrumento é exatamente a mesma utilizada na atual PPP de Habitação do Centro. “Não me admira que esse novo processo com a PPP de Habitação tenha problemas com a participação popular porque é entendida, no contexto brasileiro, como algo que vai trazer mais morosidade ao processo, e logicamente vai diminuir o lucro – essa é a maneira de raciocinar do investidor privado quando se fala das PPPs”, explica o urbanista.
Após a publicação do livro, em 2011, Souza sofreu represálias por revelar detalhes – e nomes – da relação de gestores públicos com agentes do capital imobiliário. Confira a entrevista exclusiva que ele concedeu ao AG diretamente do Japão, onde vive e trabalha há dois anos.
O que você fazia na época em que escreveu o livro?Ainda fazia graduação na Unesp [Universidade Estadual Paulista, em São José do Rio Preto]. No último ano eu mudei de volta para São Paulo, e comecei como estagiário na gestão da Marta [Suplicy, PT] . Fiquei primeiro no departamento de uso do solo e depois fui para o departamento de operações urbanas consorciadas. Fiquei de 2001 a 2010 na prefeitura. Eu tinha cargo como planejador urbano. Passei pelas gestões Marta, [José] Serra (PSDB) e [Gilberto] Kassab (PSD).Como surgiu seu interesse pelo tema do Nova Luz?Você vai percebendo que ano após ano [na prefeitura] os computadores vão melhorando, as práticas de fazer projeto vão se aprimorando, mas você não vê nenhuma melhora na cidade, nada muda. Você vai trabalhar todos os dias com a perspectiva de ver as coisas acontecerem e efetivamente nada acontece. Aí você pensa: tudo bem, é esta gestão. Mas aí a gestão muda e as coisas não se alteram. Eu percebi que o que poderia ser um problema técnico podia ser de cunho político. Um amigo sugeriu que eu fosse estudar políticas públicas para entender minha crise. Me inscrevi no mestrado da FGV [Fundação Getúlio Vargas]. O tema foi evoluindo e cheguei à concessão urbanística, que estava em pauta no momento. O fato de estar na prefeitura ajudou minha pesquisa. As pessoas não tinham muita ideia de aonde chegaria minha pesquisa, e eu também não era conhecido, não tinha nada publicado. Então fui conseguindo. Falei com o pessoal do Secovi [Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais], me davam entrevistas, falei com diversas pessoas da prefeitura. Como eu era novo, eles me davam informação. Eu saía dos departamentos com calhamaços de documentos. Quando eu parei para ver tudo o que tinha em mãos, vi que tinha algo. Quando eu comecei a redigir a dissertação eu pensei que precisava tomar um lado, porque querendo ou não isso ia afetar minha carreira na prefeitura e o processo todo. Fui adiante. Como eu era funcionário público, uma boa maneira de gastar o dinheiro dos impostos da população era [fazendo] as pessoas saberem o que estava acontecendo.De onde veio esse projeto?Era um projeto que vinha totalmente de fora, externo a qualquer entendimento do urbanista da casa. Comecei a entender que essa demanda veio de forças do capital imobiliário, e que a demanda das pessoas não estava sendo respeitada.Você aponta bem esse aspecto no seu livro.Comecei a questionar a participação popular, que aparece na Constituição [Federal], no Estatuto da Cidade. As pessoas não sabiam qual era o futuro delas, elas estavam sofrendo, temiam pelo comércio, pelo emprego. Se você olha a realidade do centro de São Paulo, são pessoas que herdaram a casa de um parente e não têm condições de comprar a mesma casa com a mesma infraestrutura em outros lugares da cidade se ela for embora do centro. Eu vi que tinha uma crise do Estado democrático brasileiro, da participação popular. A questão da participação no planejamento urbano aqui no Japão é muito forte, não porque a propriedade é muito fraca, pelo contrário! Aqui a propriedade privada é tão forte que eles não têm outra solução a não ser chamar todo mundo na mesa para dialogar. Esses projetos duram muito tempo. Há projetos com tempo de maturação de mais de dez anos, nos quais você precisa ter uma força institucional muito grande, para que eles não durem apenas uma gestão político-partidária. [Os japoneses] são muito bons em transformar o cenário urbano, transformam completamente. E se você quer fazer essa transformação, você tem de ter participação popular. É uma lógica diferente dessa top-down [do Nova Luz], de cima para baixo: você vem com o projeto pronto, com os grandes urbanistas que fazem o belo traço no mapa e sem muitas vezes entender qual vai ser o resultado nisso tudo. No Nova Luz, a população não viu nenhuma das suas demandas atendidas, tanto no projeto de lei quanto no projeto urbanístico. As audiências são sempre insuficientes. Ninguém sabe como fazer isso. E mesmo que soubesse, isso duraria muito mais tempo do que uma gestão político-partidária.Qual foi a força motriz do Nova Luz?Foi a linha amarela do metrô, que liga o Centro à região sudoeste, que tem as pessoas de maior renda. Você tinha o metrô, os museus, uma série de investimentos públicos.No seu livro você sugere que esse projeto já estava sendo pensado antes da gestão Serra (2005-2006).Em 2001 já existia um consórcio formado pela Andrade Gutierrez e outras várias empresas do mercado imobiliário – Odebrecht, Camargo Corrêa, Alston. Esses grandes grupos, não só no Centro, têm gente trabalhando, procurando brechas onde possam atuar. Acredito que essa visão do Nova Luz já existia bem antes da gestão do Serra.Como foi aprovado o instrumento de concessão urbanística no Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002?A concessão urbanística foi aprovada no PDE por um esforço individual de um jurista chamado Paulo Lomar. Como você aprova um instrumento se você não tem nem a limitação da área de atuação? De certa maneira, eles foram muito habilidosos em aplicar um instrumento sem ter a área de aplicação. Quando você olha o PDE, você tem no mapa as áreas de Zeis, de preempção, as operações urbanas, áreas de desapropriação, mas não tem a área de aplicação da concessão urbanística. Então não se sabia ao que ela veio. Em geral, a redação desses instrumentos urbanísticos é muito mal feita. E quando não é mal feita, ela é feita por cima, ou resumida, porque se pretende que esses instrumentos sejam regulamentados em lei específica. Aí se cria a confusão. Só o técnico que criou aquela coisa entende e pode explicar. E de instrumento em instrumento, as coisas vão sendo aprovadas.Qual era o cerne da ideia do Lomar na concessão urbanística?O Lomar tinha em mente que o Estado brasileiro tem o problema da morosidade, da burocracia, e tinha o problema da licitação e de o Estado ter atividades econômicas. Ele pensou: como faço o Estado se tornar mais ágil e se livrar desse monstro que é a licitação? Ele foi atrás da lei de concessões (8.987/1995), onde se entende que na concessão de obra pública o Estado pode transferir atividades públicas e operações urbanas ao privado. O privado investe e tem remuneração através de ganhos das operações. Pode, inclusive, pagar as desapropriações. Esse foi o entendimento do Lomar para criar a concessão. O [jurista Kiyoshi] Harada diz que há uma confusão conceitual. Ele diz que as concessões públicas são apenas para a melhoria das ações públicas que venham a ser desempenhadas – como água, metrô, esgoto – , e que a concessão urbanística transformaria o concessionário num mero especulador imobiliário. Foi questionada a constitucionalidade do instrumento [de concessão urbanística]. Houve várias Adins [Ação Direta de Inconstitucionalidade] e nenhum parecer dialoga, não tem nada a ver um com o outro.O instrumento de concessão urbanística é necessário em algum caso?É preciso debater por que instrumentos são criados. Em vez de se debater política pública, se debate a criação de instrumentos. Existe um fetiche dos legisladores e urbanistas, e esses instrumentos são criados e aprovados e não existe nenhum exercício prévio de gestão de risco quando se aplica o instrumento e de conexão desses instrumentos com a realidade. No caso da concessão urbanística, ninguém sabia o que era aquilo. Algumas pessoas confundiam a concessão com outros instrumentos do Estatuto da Cidade.O debate é muito anterior à criação de instrumentos…Você não vai conseguir nenhuma transformação efetiva e em grande escala se não trouxer para o debate a questão da propriedade privada, que é patrimonialista. Se você olha para o centro de São Paulo, você tem uma quantidade enorme de prédios abandonados e não se tem uma política para a ocupação deles. Nenhum partido bate de frente com esses proprietários, e muitos deles têm débitos exorbitantes de IPTU. Existe a desapropriação, mas é impossível você desapropriar para implementar, por exemplo, todos os projetos do PDE. Então precisa se conhecer uma alternativa para isso, que seja participativa, popular e que não esteja atrelada à desapropriação.A estratégia usada na PPP de Habitação do Centro e concessão urbanística são semelhantes?Tanto a PPP quanto a concessão urbanística seriam uma nova maneira de privatização, em que você tem uma maior segurança para o investidor privado. Se o negócio dá certo, o privado fica com o lucro; se dá errado, a população e o Estado que arquem com as consequências. Não me admira que esse novo processo com a PPP de Habitação tenha problemas com a participação popular porque é entendida, no contexto brasileiro, como algo que vai trazer mais morosidade ao processo, e logicamente vai diminuir o lucro – essa é a maneira de raciocinar do investidor privado quando se fala das PPPs, sobretudo quando envolve a participação popular.Você disse por email que tinha uma novidade sobre o tema para contar.Existe um parlamentar no Congresso Nacional que já está há mais de um ano tentando alterar a lei de desapropriações. Na última vez a Dilma vetou as alterações dele, mas estão tentando novamente passar a concessão urbanística alterando a lei de desapropriações. Eles tentam mascarar com nomes diferentes, com artigos, vão mudando coisas aqui e acolá em artigos. E isso está acontecendo em todo lugar. Já conseguiram passar a concessão urbanística em várias cidades brasileiras, não em lei específica, mas em alguns planos diretores. Há frentes trabalhando nisso todos os anos. Tem um relator que é o [deputado federal] João Carlos Bacelar [PR-BA], mas quem está por trás é o [deputado federal] Eduardo Cunha [PMDB-RJ]. Já tem algumas tentativas de medidas provisórias que estão tentando alterar a lei de desapropriação. Tentativa após tentativa, vão se enfraquecendo [as resistências]. Na última tentativa dele não tem mais nenhum ministério contra, a não ser o da Justiça. Então, para a presidenta vetar, acaba sendo mais difícil. [Algumas semanas após esta entrevista, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.873, cujo artigo 49 é o artigo “mascarado”, como diz Souza. Saiba mais no fim desta reportagem*].Você sofreu retaliação por conta do seu livro?É a pergunta mais sensível de se fazer nessa fase atual na minha vida, com dois anos de Japão já longe do Brasil. Não vou negar: foi um problema para mim. Tem o lado positivo, você acaba ganhando aliados, fazendo muitas amizades, principalmente daqueles que são afetados pelo projeto. Mas sem dúvida nenhuma trouxe muitas inimizades dentro do poder público, principalmente pelo fato de eu citar nomes. O lado negativo também inclui represálias.Sua ida para o Japão teve a ver com isso?(silêncio) Sim e não. Vir para o Japão estudar, ter uma carreira internacional era algo que eu almejava há algum tempo. Eu tenho muito a agradecer a esses meus dez anos na prefeitura. Mas calhou de eu não estar numa situação muito boa no poder público e querer estudar fora.
* Após a entrevista por telefone, Felipe Francisco de Souza enviou um email ao AG com detalhes sobre o artigo 49, “contrabandeado”, e aprovado, para dentro da Lei 12.873:
“Conforme dito em minha entrevista, aqui estão informações referentes aos caminhos da concessão urbanística não apenas em âmbito municipal-estadual, mas também federal. O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que possui processo parlamentar por irregularidades na Companhia de Habitação Fluminense – aberta em março de 2013 –, e recente arquivamento de inquérito que apurava acusações de advocacia administrativa e tráfico de influência – incluindo relações com a empreiteira Odebrecht – vem nos últimos meses tentando aprovar Medidas Provisórias para alterar o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública e por concessionários. Resumidamente, na primeira vez ele pretendeu aprovar a concessão urbanística em lei federal e na segunda, e atual tentativa, ele “escondeu” o instrumento para que parcerias público-privadas com concessão urbanísticas tornem-se viáveis nacionalmente. Em ambas tentativas o Ministério da Justiça optou pelo veto da presidenta da República, porém na primeira vez, com o apoio de três Ministérios, e na segunda, e atual, sem o apoio deles. Ambos vetos foram fundamentados na minha publicação, “A Batalha”, mas pelo poder de influência que tal parlamentar possui, provavelmente ele terá sucesso em uma terceira tentativa.”
10 – Apêndice 3 – Entrevista com Simone Gatti, arquiteta e urbanista
10 – Apêndice 3 – Entrevista com Simone Gatti, arquiteta e urbanista
‘O rito do processo participativo vai contra o calendário político e o calendário econômico’
A arquiteta e urbanista Simone Gatti já viu isso acontecer uma vez e está vendo pela segunda: um projeto urbanístico de grande impacto sendo imposto à cidade sem participação popular – participação que é obrigatória, segundo o artigo 2, inciso II do Estatuto da Cidade, que é lei federal. Primeiro foi no Projeto Nova Luz, durante a gestão de Gilberto Kassab (PSD). Simone, juntamente com moradores e comerciantes das regiões da Luz e Santa Ifigênia, conseguiram forçar a criação do Conselho Gestor (também obrigatório por lei) e, por meio dele, conseguiram barrar o projeto que deixaria milhares de desalojados, fecharia comércios consolidados e geraria um processo certo de gentrificação no centro da cidade.
Agora, no governo de Fernando Haddad (PT), a luta volta ao mesmo pé: a chamada Parceria Público-Privada de Habitação do Centro, um projeto do governo estadual em parceria com o municipal, federal e com empresas privadas para a construção de 20 mil moradias populares, também ameaça a população local com desalojamentos compulsórios e fim de negócios produtivos. Conforme aponta Simone, os dois projetos são muito semelhantes no que têm de pior, como a concessão ao setor privado, pelo Estado, do direito de desapropriar e fazer dinheiro com isso. A diferença entre o Projeto Nova Luz e a PPP de Habitação é que, enquanto o primeiro se restringia a 45 quarteirões contíguos, o segundo prevê a desapropriação de mais de 900 imóveis em pelo menos seis bairros do centro da capital. A seguir, confira a entrevista exclusiva que Simone Gatti concedeu ao Arquitetura da Gentrificação, e entenda por que, e como, a história se repete.
Como foi sua participação na resistência ao Projeto Nova Luz?A partir da minha pesquisa sobre os possíveis processos de gentrificação no Projeto Nova Luz, formei uma associação de moradores na região, a AMOALUZ, juntamente com uma moradora do bairro, a [jornalista] Paula Ribas. Não havia nenhuma mobilização, na época, dos moradores em relação ao projeto. A única reação era a dos comerciantes da Santa Ifigênia, que se mobilizaram tentando barrar a lei da Concessão Urbanística. Formamos a associação e a partir disso entramos em contato com os movimentos de moradia do Centro e iniciamos o processo de pressão popular para formar o Conselho Gestor das Zeis do Nova Luz, obrigatório por lei. Sem esta mobilização feita junto à Secretaria Municipal de Habitação [Sehab] e à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano [SMDU] o Conselho não teria sido formado. Foi a atuação da sociedade civil nesse Conselho Gestor que possibilitou o início de um controle social no processo, que posteriormente resultaria na paralisação do projeto Nova Luz.A formação do Conselho Gestor de Zeis é obrigatória pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002. O PDE diz quando tem de ser formado?Não, a legislação é vaga em relação a isto, e esta é uma das coisas que precisam ser revistas agora na revisão do PDE. Mas no Termo de Referência do Projeto Nova Luz havia um cronograma que dizia que o Conselho Gestor tinha de ser formado no início das discussões sobre o projeto, e este cronograma não estava sendo cumprido. O conselho precisa ser formado não só para aprovar o Plano de Urbanização da Zeis mas, sobretudo, para elaborá-lo.A participação de vocês era efetiva no conselho?Trabalhamos a partir das diretrizes do projeto. O trabalho de elaboração do Plano de Urbanização da Zeis não se iniciou com o Conselho Gestor, ele foi trazido pronto para o Conselho Gestor aprovar, o que já é um equívoco. Nosso posicionamento então foi trabalhar na minimização de impactos e redução de danos, fazer com que a partir daqueles critérios estabelecidos, que não eram passíveis de mudança, garantíssemos a permanência da população residente, o atendimento prioritário para quem mora lá e a destinação das habitações para a demanda real, que são as famílias com renda de 0 a 3 salários mínimos.Com quais problemas tiveram de lidar?Todo o projeto foi feito sem cadastro [dos moradores que seriam afetados]. Foi elaborado com base em uma pesquisa amostral. Esta foi a principal pauta no início das reuniões do Conselho Gestor. Exigimos que fosse feito um cadastro que serviria como garantia de permanência da população e atendimento habitacional. Conseguimos desenvolver um cadastro, elaborado pela Sehab, onde descobrimos que mais de 80% da população na área do Projeto Nova Luz possuía renda inferior a três salários mínimos. Todo o Plano de Reurbanização da Zeis foi reajustado a partir desse cadastro e conseguimos avançar dentro do Conselho Gestor, inclusive ampliando o percentual de unidades de Habitação de Interesse Social (HIS) de 50% para 80%, de acordo com a demanda existente. Conseguimos também, após um longo debate, retirar o prédio da Ocupação Mauá das demolições previstas, já que ali seria construído um centro de entretenimento. O prédio da Mauá não estava no perímetro das Zeis, mas mesmo assim conseguimos pactuar esta alteração no projeto.Você vê semelhanças entre o Projeto Nova Luz e a atual PPP de Habitação do Centro?Assim que foi lançado [o projeto da PPP] eu pensei: é o projeto Nova Luz na cidade toda. Isso antes de sair o decreto de desapropriação. Quando saiu, isso só se confirmou. Foi um projeto discutido dentro de gabinete, sem nenhum conhecimento da população afetada e sem nenhum envolvimento formal da população em processos e projetos, o que leva a ver as semelhanças com o Nova Luz. O Estatuto da Cidade e o Plano Diretor preveem a obrigatoriedade da participação da população, tanto para grandes projetos como para intervenções em áreas de ZEIS, mas ainda de forma vaga. Isso ainda não foi regulado de maneira eficaz. De qualquer forma, não é com uma audiência pública que você efetiva a participação. Ela se efetiva em um processo amplo durante todo o projeto.Falando ainda em semelhanças, o instrumento de concessão urbanística usado no Projeto Nova Luz e a estratégia de desapropriação pelo setor privado previsto na PPP de Habitação são parecidos?O instrumento da PPP tem muitas semelhanças com a concessão urbanística. Na prática os processos são muito semelhantes. Na forma da PPP como está, você dá ao concessionário o direito de realizar aquilo que é atribuição pública, fazer as desapropriações e lidar diretamente com o privado, fazer negociações. Quando o concessionário atua como intermediário entre o poder público e o cidadão, o poder público perde totalmente o controle sobre como se dá esse processo. Aí há a chance de serem utilizadas os tais “cheques-despejos”, que se tornou prática corrente na política municipal de São Paulo.Em termos de projeto urbanístico, o que você acha da PPP tal como foi desenhada pelo Urbem?O problema é ainda ver um planejador urbano, seja um gestor público ou um escritório de urbanismo, como o Urbem, tratar a cidade como desenho urbano e esquecer a questão do direito à cidade. Todo um planejamento é desenvolvido à revelia de quem vive na cidade, do direito sobre aquele lugar e apresentado como um projeto pronto. Os argumentos do Urbem são os mais equivocados. O projeto urbano começa com o contato com a população. As entrevistas que o Urbem fez foi pensando em demandas futuras de um projeto ideal, e não nas necessidades da população que vive lá*. No decreto de desapropriação é possível ver o absurdo que é lançar um decreto sem pesquisa fundiária, onde centenas de famílias estão sujeitas a ter que sair das suas casas. Qual o sentido disso em um projeto de habitação social?O que leva um decreto de desapropriação a listar uma maioria de imóveis e terrenos em pleno uso?Nas conversas que ouvi do Philip Yang [diretor do Instituto Urbem] e Milton Braga [arquiteto do escritório MMBB e um dos responsáveis pelo projeto da PPP feito pelo Urbem], ficou claro que o processo de como fizeram a escolha dessas áreas foi muito parecido com o do Projeto Nova Luz. É o projeto feito de helicóptero. A análise é feita através do Google Maps, voos de helicóptero contratados e pesquisa de campo superficial. Os critérios utilizados por eles foram critérios estéticos de uma cidade aparentemente degradada e isso está vinculado a uma questão ideológica. Grande parte da moradia de determinadas áreas da região central da cidade são ocupadas por população de baixa renda. Quando você elenca essa ocupação como uma ocupação subutilizada, feia, mal cuidada, com pouca estrutura física você a considera subutilizada?Quais os maiores problemas dessa PPP?São muitos, mas acho que o principal é não terem respeitado a determinação legal que é a participação popular através do Conselho Gestor. A única forma de você conseguir garantir um controle social das intervenções desse porte é através do Conselho Gestor, no caso das Zeis. Outro ponto é: quem é que vai ocupar esses imóveis a serem construídos? Vão ser ocupados, na sua maioria, por pessoas que moram fora do Centro! Isso desconsidera toda a população que já mora no centro de São Paulo. Eles falam de cadastro dos novos moradores, da demanda que vai ocupar, mas não falam do cadastro de quem vive nessas áreas para garantir o atendimento prioritário a essa população. Outro grande problema é que este projeto vai utilizar todo o estoque habitacional da ZEIS 3 (ZEIS de áreas centrais) para construir habitação a ser vendida, comercializada via financiamento, o que contraria a real necessidade da população de baixa renda que vive em áreas centrais, que é uma população com renda inferior a três salários mínimos, que não consegue entrar no sistema de financiamento habitacional e que precisa de outro tipo de oferta, como a Locação Social, onde você paga o aluguel de acordo com a sua renda e ainda tem a facilidade da mobilidade, característica das populações mais pobres, que trabalham com mercado informal. O que você acha que vai acontecer com habitações ‘compradas’ por estas pessoas? Serão a curto prazo repassadas para famílias com maior poder aquisitivo, claro. E quem necessita realmente voltará a ocupar as formas precárias de habitação. É subsídio público destinado, indiretamente, para a classe média!O que você acha que pode acontecer agora?Como aconteceu no Projeto Nova Luz, acho muito difícil que essa PPP vingue, pelo menos da forma como ela está. A sociedade está se fortalecendo muito, está amplamente engajada, com apoio do Ministério Público e da Defensoria [Pública] em relação às intervenções que vão contra o direito à cidade. Cada desapropriação dessas pode gerar um embate jurídico muito grande. Isso não aconteceria se fosse um projeto elaborado em conjunto com a população, que começasse em territórios menores. O problema é que esse rito do processo participativo vai contra o calendário político e o próprio calendário econômico das grandes incorporadoras. Tempo é dinheiro, e participação leva tempo, rompendo com a lógica do capital.
*Em pelo menos duas apresentações públicas, o diretor do Instituto Urbem, Philip Yang, afirmou que as pesquisas do instituto para a elaboração do projeto urbanístico da PPP contataram pessoas de movimentos sociais. O Arquitetura da Gentrificação quis entrevistar as lideranças dos movimentos contatados para entender a abordagem feita no estudo. Para isso, entrou em contato com o Instituto Urbem e com Luciana Aguiar, sócia-diretora da Plano CDE, empresa contratada para realizar a pesquisa. Nenhum dos dois, porém, aceitou dar informações. Luciana argumentou que a empresa segue normas éticas que impedem a divulgação dos nomes dos entrevistados.
11 – Apêndice 4 - Bastidor da reportagem: secretismo e truculência do Estado
11 – Apêndice 4 - Bastidor da reportagem: secretismo e truculência do Estado
Falta de transparência e de participação pública são marcas de ações e projetos das duas secretarias de Habitação, tanto a do estado quanto a do município, administrada por José Floriano de Azevedo Marques Neto.
Quando esta reportagem sobre a PPP começou a ser sistematizada, após cinco meses de apuração, o AG entrou em contato com a assessoria de imprensa da Sehab estadual solicitando informações específicas sobre o projeto, além de uma entrevista exclusiva, em vídeo, com o subsecretário Reinaldo Iapequino.
Do primeiro contato com a assessoria em 19 de novembro até o primeiro anúncio sobre a revogação do decreto, feito pelo secretário Silvio Torres à jornalista Sonia Racy e publicado no jornal “O Estado de S. Paulo” em 22 de novembro, a assessoria indicou que agendaria, sim, a entrevista com Iapequino. No mesmo dia 22, uma sexta-feira, o AG fez um breve contato telefônico com a assessora da Sehab Valeria Scheide para confirmar se o decreto havia mesmo sido revogado. Ela disse que precisaria buscar mais detalhes e sugeriu que a reportagem encaminhasse as perguntas a serem respondidas. Um email com seis questões foi enviado no mesmo dia.
Em 25 de novembro, segunda-feira, o AG enviou novo email perguntando sobre as respostas. O retorno da assessoria, na mesma data, foi o seguinte:
Depois disso, o AG tentou contato via email e telefonemas, mas não conseguiu retorno da assessora. Só depois de a reportagem falar com a secretária direta de Iapequino e explicar a dificuldade para conseguir informações públicas via assessoria de imprensa é que Valeria, finalmente, resolveu falar. Confira a seguir o áudio em que o AG explica à secretária de Iapequino, em 27 de novembro, que há dias tenta contato com Valeria, mas sem sucesso. Na sequência, ouça a conversa da reportagem com a própria assessora, logo em seguida, e entenda como o secretismo da Sehab estadual se manifesta no departamento que deveria ser a ponte entre a informação pública e o cidadão. Entenda também como a tergiversação, o uso de informações contraditórias e a interrupção sistemática do interlocutor são estratégias usadas para garantir à informação pública um status privado.
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