Regina vive em um barraco com 5 filhas em Ribeirão e luta por um único objetivo: que as filhas não sigam o mesmo destino que ela Jornal A Cidade - Daniela Penha
As meninas em frente ao barraco: seguir em frente é o lema (Foto: Milena Aurea / A Cidade)
A pequena árvore de Natal – três ou quatros bolinhas de um vermelho descascado, vaso de gesso e folhas empoeiradas – foi doada, como quase tudo no barraco das Soares Souza. A caixa d’água é o parque aquático das cinco meninas. São três cômodos para uma mulher e suas cinco filhas: cozinha, sala/quarto e quarto, além de um banheirinho. Três delas dormem em um beliche de estrados improvisados, outra no sofá e a menorzinha fica na cama com a mãe. Apesar de tudo, a placa, também doação de um amigo, já avisa: “Nesta casa até a tristeza pula de alegria”.
A descrição combina com as Soares Souza. Enquanto as cinco filhas cantam e dançam dentro da caixa d’água, a mãe desabafa: “Acho que elas não têm noção do país que a gente vive”.
Aos 33 anos, Regina Soares de Souza foi mãe oito vezes. Não reclama, mas garante que não quer o mesmo futuro para as suas meninas. “Casei duas vezes e os dois maridos não aceitavam usar contraceptivo. A minha primeira gravidez foi sem querer, com 16 anos, e minha mãe me expulsou de casa.”
Na verdade, a história de Regina é dessas sem muita explicação. “Tudo foi acontecendo e, quando eu vi, estava sozinha para cuidar de oito meninas. Meu segundo marido se envolveu com drogas e tive que largar.”
Três das filhas, ainda adolescentes, deixaram a casa da mãe para casar. As outras cinco vivem com ela em um barraco da favela da Via Norte. Todas estudam e fazem planos para o futuro. Isabela, 8 anos, aluna-destaque na escola, quer ser professora: “Para ensinar, tem que aprender, né?”, diz. Nataly, 9, quer a mesma profissão. Luana Vitória, 11, quer ser veterinária (“Gosto muito dos animais”) e Rejane, 15, é a única que ainda está indecisa – sabe que quer fazer faculdade.
Ah, tem também Marjory, 3, que ainda não sabe escolher, mas já dá sinais. “Dança Marjorie!”, pede a mãe. E ela logo se põe a requebrar e a cantar as músicas de que gosta. “Vai ser dançarina”, se anima Regina.
Entre as contas e as filhas
Regina se divide entre duas grandes necessidades: pagar as contas e estar em casa. As seis chegaram a Ribeirão há um ano. Regina, criada só pela mãe, descobriu o pai nessa época. Veio embora de mala e cuia com a única certeza de morar em um barraco na mesma favela dos irmãos.
Favela não é novidade. Ela cresceu na favela de Guarulhos e criou as filhas lá até mudar para Ribeirão. As meninas não gostaram. “Lá, todo mundo ajudava. Aqui, ninguém ajuda”, reclama Luana Vitória.
Desde que chegou, Regina trabalhava em bares e lanchonetes de shoppings. Há cerca de dois meses, no entanto, pediu demissão: “Eu chegava em casa e elas estavam na rua”. Decidiu, então, fazer bicos com os irmãos como servente de pedreira e ajudante de oficina. Na casa das Soares Souza, papel de homem e mulher é coisa que nunca existiu.
Caixa d’água antiga se transformou em piscina para elas (Foto: Milena Aurea / A Cidade)
Para o Noel, pedido simples: roupas novas para 2014
Regina decidiu criança que queria ser bombeira. Alguns barracos da favela de Guarulhos pegaram fogo e ela se encantou com o trabalho de uma profissional. “Ela apagou até não aguentar mais. De repente, cansou muito e precisou ser socorrida”, relembra. Depois, quando já estava grávida da terceira filha, sem previsão de realizar o sonho, viu novamente o fogo de perto. “Meu barraco queimou inteirinho. Fiquei pensando: e se eu fosse bombeira? Tudo seria diferente”.
É por essa frustração que ela luta pelo futuro das filhas. A escolha de não trabalhar, entretanto, faz bem e mal. Ao mesmo tempo em que passa mais tempo com as meninas, tem dias em que Regina não sabe o que vai colocar na mesa. “Ontem, eu estava perguntando para Deus o que eu vou fazer. Eu não consigo dar nada para minhas filhas. Não sei se trabalho ou se cuido delas”, conta – e cai no choro.
O salário fixo da casa é o bolsa família: R$ 320. Nos meses em que tem bicos com os irmãos, ganha mais R$ 400. O mais é doação.
Enquanto Regina conversa, as cinco filhas observam. Não se desgrudam. Uma arruma o cabelo da outra para a foto, cochicham no ouvido e caem na risada. Quando a mãe chora, Marjory, que está no colo, faz carinho no rosto da mulher com as mãozinhas, encosta o rostinho pequeno no de Regina, dá um abraço. Na casa das Soares Souza, a vida é feita de simplicidade, que participa até nos pedidos de Natal.
A única que não quer roupas é Luana Vitória, porque já recebeu conjunto novo e sapato dos Correios. Por isso, o pedido é ousado: um laptop para estudar os animais e se preparar para a carreira de veterinária. “Joguinhos também são legais”, deixa escapar.
As irmãs também mandaram cartinhas, mas o pedido ainda não foi realizado. Por isso, reafirmam o que escreveram ao Noel: querem roupas. Marjory é pequenina, mas já tem suas vontades. Quer short, blusa e chinelo na cor verde. Ah, uma bonequinha também, para animar os dias. As delas, doadas, estão sem cabelos e sujas. “Uma só”, fala, fazendo o número com o dedinho.
Regina e Marjorie trocam carinho: cena comum na família (Foto: Mlena Aurea / A Cidade)
Para as outras irmãs, nem é preciso sapatos. Só a roupa já serve. “Roupa nova é bom para passar o ano”, explica Nataly.
Até hoje, só dois presentes de Natal
Até Rejane, 15 anos, acredita no barbudo que entrega presentes. As cinco meninas vão descrevendo em coro o Noel. “Ele mora no céu”, começa Nataly. “A casa é grande e cheia de enfeites. Tem árvore de Natal, bolinhas”, complementa Isabela. “Ele é bonzinho”, diz Marjorie.
Elas lembram todos os presentes legais que ganharam do bom velhinho. “Doações”, Regina explica. Um bichinho virtual, uma boneca que cantava: a lista só tem dois itens. Ainda assim, na casa Soares Souza, todo mundo acredita e respeita o Noel.
As meninas ainda não perderam a capacidade de sonhar – ao contrário da mãe. “Já não sonho mais. Só peço a Deus que elas tenham algo de bom para comer no Natal. E que sejam alguém na vida”, avisa. Regina só pede ao mundo uma oportunidade às pequenas.
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