domingo, 19 de janeiro de 2014

Famílias das vítimas do acidente do Itaquerão esperam por indenização

Viúvas de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos ainda não receberam nada



Gonçalo Junior e Lauriberto Braga - O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Quase dois meses após a tragédia da Arena Corinthians, as viúvas de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos, os operários mortos no acidente, não receberam um centavo do seguro de vida ou da indenização a que têm direito. Nem tiveram informações oficiais sobre a queda do guindaste que os matou. Também não houve visitas de pêsames da construtora Odebrecht ou de jogadores do Corinthians. Elas não foram convidadas para a missa de sétimo dia no estádio e, no fim das negativas que acham mais doídas, no dia do acidente as autoridades falaram mais sobre o cronograma da Copa do que dos enterros.
Família de Ronaldo espera por indenização - Ricardo Lima/Estadão
Ricardo Lima/Estadão
Família de Ronaldo espera por indenização
“Até agora, ninguém veio aqui nos oferecer nada. A única coisa que fizeram foi mandar mil reais para o enterro”, disse Rita Moreira de Oliveira, de 65 anos, mãe de Ronaldo, que mora na casa dada por ele em Caucaia, na Grande Fortaleza. “Falaram que estamos recebendo toda a assistência, mas não é verdade”, lamenta Luzia Castro, viúva de Fábio Luiz, que mora em um bairro afastado do centro de Limeira.
A queixa de que dois meses é tempo demais para as reparações financeiras ganha sustança na letra fria da lei. Antonio Souza Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias da Construção Civil (Sintracon), informa que, de acordo com a convenção coletiva da categoria, o seguro de vida deve ser pago às famílias 30 dias após o laudo médico. O valor mínimo é de R$ 50 mil. O acidente no Itaquerão aconteceu no dia 27 de novembro, portanto há quase dois meses.
“Se foi feito corretamente, o seguro já deveria ter sido pago. Não há dúvida de que a reivindicação das famílias é justa. Dois meses é tempo demais”, avalia o advogado trabalhista José Augusto Rodrigues Junior.
No dia 27, Fábio, operador de munck da transportadora BHM, e Ronaldo, montador de assentos da Conecta, foram atingidos pela queda de um guindaste durante a colocação do último módulo da construção, no setor leste do estádio. As duas empresas são terceirizadas pela Odebrecht, construtora responsável pela obra. Após o acidente, que destruiu também parte da área externa, a Fifa estendeu o prazo de entrega do estádio, palco da abertura da Copa, para 15 de abril.
DIFICULDADESEnquanto o dinheiro não sai, quem está segurando as pontas em Limeira é a filha mais velha, Karen. Seu salário de auxiliar na área administrativa de uma metalúrgica tem de se dividir entre a mensalidade do curso de Administração de Empresas na FAAL (Faculdade de Administração e Artes de Limeira), o aluguel (R$ 600) e as contas de água, luz e telefone. Ajudam a fechar o orçamento um acordo que Keille, a filha do meio, fez na loja em que trabalhava e a rescisão do contrato de nove anos de trabalho do pai na transportadora.
“O que vamos fazer quando esse dinheiro acabar?”, indaga Karen. Pela foto acima, não existem dúvidas de que a ajuda mensal que Ronaldo mandava para Caucaia está fazendo falta. Rita mora em uma casa com sala, quarto e cozinha, sem acabamento. Ela se localiza em um beco sem saída, metáfora mais do que dolorida para o momento vivido pela família. Ronaldo deixou duas filhas menores - uma de 17 anos e outra de 12. O operário tinha se separado da mulher havia dois anos.
A tragédia também abalou as vigas emocionais das famílias. Os olhos de Luzia e de Keille estão sempre úmidos, como se elas fossem começar a chorar. Ou estivessem se recuperando das últimas lágrimas. Ou as duas coisas. Na casa simples, as rachaduras do muro avançam pela pele das mulheres. “Antes, eu pensava no futuro. Hoje, eu não faço planos”, afirma Keille, de 19 anos.
Para Luzia, a Copa do Mundo perdeu o sentido. “Nós tínhamos dois projetos para 2014: comprar uma casa própria e assistir aos jogos da Copa no estádio. Agora, eu nem sei mais o que pensar. A Copa virou motiva de revolta.”
Para reaprender a sonhar, as filhas mais novas (a escadinha se completa com Karolayne, a caçula, de 14 anos) e a mãe passam pelo psicólogo oferecido pela BHM, o único amparo que a família está recebendo. Em Caucaia, Rita dispensou o psicólogo, mas percebeu que os problemas com a pressão arterial e o diabetes ficaram mais sérios. “Falaram que ele só quebrou o pescoço, mas por que o caixão veio lacrado?”.
Do sofrimento para a revolta é um pulo, como deixa claro a opinião de Paulo Renato, irmão de Ronaldo. “Se não ligaram no dia da morte, o senhor acha que eles vão ligar oferecendo a indenização depois de dois meses?”.
INDENIZAÇÃO
Esse é um ponto importante. Nas três vezes em que o repórter do Estado parou para perguntar onde fica a casa da viúva do operário, os limeirenses levantaram a questão. Além do valor do seguro, que já está atrasado, as famílias têm direito a uma indenização por danos morais e materiais. Cálculos do sindicato apontam o valor de R$ 430 mil para cada família. Essa conta considera o risco das atividades profissionais, o porte da obra, a idade das vítimas no momento do acidente e o número de salários que elas receberiam até sua morte (a referência é a expectativa de vida do brasileiro, que é de 73 anos, pelo IDH).
O processo indenizatório, nesse caso, é bastante demorado. Se não houver um acordo, o processo pode levar entre três e 20 anos. Por fim, além da indenização, as famílias têm direito ainda a uma pensão de 2/3 do salário da vítima, paga pela Previdência Social.
Geraldo Baraldi, advogado especializado em Direito Trabalhista, explica que a construtora e as empresas terceirizadas nas quais os operários trabalhavam são as únicas que, em tese, devem responder pelo acidente. O Corinthians, na avaliação de Baraldi, não deve ter responsabilidade por ser caracterizado como “dono da obra” que terceirizou o trabalho. “Eu sei que dinheiro não vai trazer o meu Ronaldo de volta. Mas, se tenho direito, por que não pagam?”, indaga Rita.
O advogado Rodrigues Junior tem uma resposta: “As empresas brasileiras não têm a cultura de negociar de antemão. Elas só vão se responsabilizar quando forem obrigadas”, diz ele, com 35 anos de experiência. Na hora da despedida, no portão de ferro que se abre com dificuldade, Karen, a mais velha, pede que a reportagem deixe uma mensagem: “Queria falar que meu pai era um homem bom e que a vida dele vale mais do que qualquer estádio da Copa”.
ODERBRECHT
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Odebrecht negou que as famílias dos operários mortos no acidente do Itaquerão estejam desamparadas. “As famílias das duas vítimas estão sendo devidamente assistidas e resguardadas. Continuarão tendo todos os seus direitos garantidos. Esse é o compromisso da Odebrecht Infraestrutura”, diz a nota oficial.
O Estado apurou que advogados da empresa vão se reunir com a família de Limeira no dia 27 de janeiro para iniciar as conversas sobre a indenização. 

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