A família de um engenheiro que morreu afogado numa missão no Rio Xingu receberá da Camargo Corrêa Projetos de Engenharia S. A. indenização por danos materiais e morais. Em julgamento recente, a Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o argumento da empresa de que o fundamento da condenação – a chamada teoria do risco ou da responsabilidade objetiva – não estava prevista no Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos.
O acidente ocorreu em 1984, quando o engenheiro realizava estudos de topografia para a construção de uma usina hidrelétrica na bacia do Xingu. A lancha voadeira que o transportava naufragou na altura da Cachoeira do Juruá, e todos os membros da equipe morreram.
A ação trabalhista foi ajuizada pela viúva e pelos três filhos do engenheiro em 2003. Segundo os herdeiros, a embarcação não tinha coletes salva-vidas, uma vez que os corpos foram encontrados apenas com as roupas. "Salta aos olhos a negligência com que a empresa agiu ao enviar e internar seus empregados na selva amazônica, em missão naturalmente de alto risco, sem os mais comezinhos cuidados com a integridade física dos trabalhadores", afirmaram, sustentando a responsabilidade subjetiva da empregadora pelo acidente.
O juízo da 22ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) indeferiu o pedido de indenização por considerar que não ficou provado que a empresa não teria cumprido as regras de segurança. Segundo a sentença, "a tragédia resultou de caso fortuito", sem culpa ou dolo da empregadora.
Esse entendimento, porém, foi reformado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), em exame de recurso ordinário. O TRT aplicou ao caso a teoria da responsabilidade objetiva, segundo ao qual o dano deve ser reparado "não porque o empregador tenha incorrido em culpa, mas porque a sua atividade criou um risco sobre o qual deve responder".
A condenação levou em conta que o local era "extremamente perigoso, com redemoinhos severos, pedras e correntezas", que, conjuntamente, teriam acarretado o naufrágio. Assim, ainda que se alegasse a existência de caso fortuito e a responsabilidade do engenheiro pelo não uso de salva-vidas, "a própria atividade regularmente desenvolvida pela vítima já a expunha a riscos". A empresa foi então condenada a indenizar os herdeiros por danos materiais no valor de R$ 500 mil e, por dano moral, em R$ 250 mil, a serem corrigidos monetariamente.
Ao interpor recurso de revista, a Camargo Corrêa questionou a validade da condenação por não ter sido aplicado ao caso o Código Civil de 1916. Segundo a empresa, a teoria da responsabilidade objetiva "ainda não estava positivada" no ordenamento jurídico vigente à época do acidente, "havendo apenas na legislação e doutrina a teoria da responsabilidade subjetiva". Para a condenação, portanto, seria necessária a comprovação da culpa. Diante da negativa de seguimento do recurso, a empresa interpôs agravo de instrumento ao TST.
O relator do agravo, juiz convocado João Pedro Silvestrin, observou que, segundo o artigo 2º da CLT, o empregador assume os riscos econômicos do empreendimento, e tal norma deve ser interpretada de forma ampla, atingindo "todos os riscos relacionados à sua atividade e também ligados à segurança dos seus empregados". Lembrou ainda que a jurisprudência do TST, por sua vez, firmou o entendimento de que a responsabilidade objetiva é aplicável a acidentes de trabalho ainda que anteriores ao novo Código Civil, quando a atividade exercida envolva risco elevado. "O legislador ordinário, ao incluir o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil, apenas consagrou entendimento que já existia", concluiu. A decisão foi unânime, seguindo o voto do relator.
(Carmem Feijó)
Processo: AIRR-1626-60.2010.5.02.0022
Nenhum comentário:
Postar um comentário