domingo, 1 de dezembro de 2013

“Fielzão” – a frágil engenharia financeira



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Da VEJA
A perícia logo terá as razões do acidente que adiará a conclusão do Itaquerão, o estádio da abertura da Copa.
Difícil é entender a engrenagem econômica da obra de quase R$ 1 bilhão.
Por ALEXANDRE ARAGÃO
Em agosto de 2010, a FIFA escolheu o Itaquerão, o estádio do Corinthians a ser erguido na Zona Leste de São Paulo, como uma das sedes da Copa do Mundo de 2014 e palco do jogo de abertura.
Desde então, duas questões pairam sobre o projeto.
Seria possível construir um estádio para 65 mil pessoas em três anos ?
E como essa obra milionária seria financiada ?
Na semana passada, dois fatos alimentaram essas dúvidas.
Na quarta-feira, um acidente com um guindaste matou dois operários e provocou a paralisação das obras. A entrega do estádio, prevista para janeiro, poderá atrasar de um a três meses.
Oficialmente, a organização da Copa não admite tirar do Itaquerão a partida inaugural, em 12 de junho.
Mas, nos bastidores, há a preocupação com a falta de margem de manobra em caso de novos problemas e já se discute alternativas para abrigar o primeiro jogo, com o Brasil em campo.
Dois dias depois do desastre, o Corinthians assinou com a Caixa Econômica Federal e o BNDES um contrato de R$ 400 milhões para o financiamento da obra.
A formalização do acordo, porém, não esclarece as dúvidas sobre a frágil engenharia financeira e a falta de garantias para uma construção que consumirá quase R$ 1 bilhão.
O acidente foi provocado por um guindaste que despencou ao içar a última das oito peças que compõem os arcos superiores da Arena.
Com 114 metros de alcance, a máquina era a maior em operação no país, alugada pela construtora Odebrecht para montar a parte superior do estádio, a custo de R$ 12 milhões por mês.
Há três possibilidades em investigação: problema mecânico, falha humana ou deslizamento do solo.
Funcionários da Odebrecht relataram que, na manhã do acidente, alertaram os engenheiros sobre um possível deslizamento e terra na base do guindaste, mas nada foi feito.
A polícia, a Defesa Civil e o Ministério do Trabalho fizeram perícias no local.
Enquanto os laudos não saírem, os trabalhos ficarão paralisados – pelo menos no setor onde houve a queda.
O tempo dessa interdição determinará o tempo de atraso na entrega do Itaquerão.
No momento do acidente, Andres Sanches, ex-presidente do Corinthians e coordenador da obra, estava em uma sala de empreendimento resolvendo as últimas pendências para assinatura do contrato com a CAIXA e o BNDES.
Sanches é um personagem central nessa confusa história do Itaquerão.
Filiado ao PT desde 2009, ele convenceu oex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a abraçar o projeto.
Quando a Copa foi confirmada no Brasil, em 2007, a hipótese de que um estádio do Corinthians fosse usado era tratada com um devaneio.
A opção óbvia era o Morumbi, pertencente ao São Paulo, que precisaria de reforma.
Mas, quando Lula entrou em campo, o jogo virou.
Ele convenceu a ODEBRECHT, que hoje financia suas viagens internacionais, a construir o estádio.
Acompanhou de perto a obtenção do empréstimo do BNDES.
E pressionou o então prefeito, Gilberto Kassab, a emitir títulos municipais que ajudariam a bancar parte da obra.
Procurou financiadores para a parte provisória do estádio, que será paga pela cervejaria AMBEV.
Lula, na prática, foi o fiador do Itaquerão.
Havia ainda uma barreira a ser transposta.
A legislação impede que bancos emprestem dinheiro a times de futebol.
Por isso, Odebrecht e Corinthians fizeram uma manobra financeira: criaram um fundo imobiliário para separar o Itaquerão dos demais bens corinthianos.
O Corinthians é cotista majoiritário do fundo, mas a construtora tem participação até que a obra seja quitada pelo clube, o que tem prazo máximo de quinze anos.
Quando o estádio começar a funcionar, parte da receita da receita da bilheteria e do lucro do clube estará atrelada por contrato ao fundo, que é responsável pelo pagamento da dívida.
Assim, caso o clube tenha seus ativos bloqueados judicialmente em algum processo, a Arena não será afetada – e o pagamento do empréstimo continuará acontecendo, pois estará associado à bilheteria dos jogos.
O BNDES aceitou essa garantia para emprestar R$ 400 milhões ao fundo.
Mas, pelo seu regimento, era necessário quem um banco intermediasse a negociação.
O Banco do Brasil foi o primeiro a se interessar, mas acabou considerando as garantias insuficientes.
Lula entrou em campo novamente e ajudou a convencer a CAIXA Econômica Federal a atuar na intermediária.
No contrato assinado na semana passada, foram dados como garantia do empréstimo metade do Parque São Jorge (a sede do Corinthians), imóveis e investimentos da ODEBRECHT.
Além, claro, da força política do Presidente.
A demora para liberação do financiamento oficial com taxas camaradas obrigou a construtora a fazer dois empréstimos a juros de mercado, com Santander e Banco do Brasil, o que gerou um custo extra de R$ 80 milhões, elevando o orçamento do estádio a R$ 900 milhões.
Há problemas ainda com outra fonte de financiamento do Itaquerão, os certificados de incentivo ao desenvolvimento (CIDs), títulos emitidos pela Prefeitura de São Paulo, que podem ser usados para quitar impostos municipais.
Dos R$ 420 milhões prometidos em CIDs ainda na gestão Kassab, apenas R$ 95,7 milhões já foram liberados.
Esses títulos são vendidos a outras empresas com um deságio de 3% a 8%.
O prejuízo será de ao menos R$ 20 milhões para o fundo.
“Se começar a desconfiança sobre a obra, os títulos vão valer menos”, preocupa-se Andres Sanches.
Por fim, o Corinthians ainda não conseguiu vender o naming-rights do estádio – o direito de batizar a Arena, que poderá render até R$ 400 em vinte anos.
Com tantas incógnitas, o futuro do Itaquerão será o principal assunto do sorteio da tabela da Copa, nesta sexta-feira, na Bahia.
“É o estádio mais investigado, mais visto, mais falado, mais olhado, mais tudo”, desabafa Andres Sanches.
“Para o bem ou para o mal”.

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