Plano do governo federal naufraga por questões de mercado. Seca castiga agricultores do semiárido, que dependem da Petrobras Biocombustível
Carlos Juliano Barros
Itaetê, Morro do Chapéu e Salvador, na Bahia - Depois de muitos percalços, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), lançado em dezembro de 2004 como salvação da lavoura para o semiárido brasileiro, atravessa um momento de reformulação. Já não se percebe a euforia das projeções exageradas e dos discursos ufanistas dos primórdios do programa, que prometiam inundar os postos de combustível com biodiesel feito a partir de mamona cultivada por camponeses. A nova agenda se concentra no incremento da produtividade e no ganho de escala na produção agrícola, levando em conta as dificuldades de se produzir em áreas castigadas pela seca.
Se do ponto de vista agrícola o PNPB no semiárido ensejou uma produção incipiente – a participação do óleo da mamona, de girassol e de dendê no total de biodiesel fabricado no país é nula, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustível (ANP) -, no plano agroindustrial os resultados não são muito mais animadores. Além das três usinas de biodiesel da Petrobras Biocombustível (PBio), localizadas em Candeias (BA), em Quixadá (CE) e Montes Claros (MG), atualmente existe apenas uma única empresa produtora do combustível: a V-Biodiesel, em Iraquara (BA), na região da Chapada Diamantina, que opera de forma embrionária.
Nos últimos anos, só na Bahia, dificuldades operacionais fizeram três usinas encerrarem suas atividades – a Comanche, a BioBrax e a Brasil Ecodiesel. A maioria das 63 plantas industriais produtoras de biodiesel em atividade no país se concentra em grandes regiões produtoras de soja (como os estados do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul) e no entorno de importantes polos da indústria frigorífica, como se percebe no interior de São Paulo.
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Petrobras Biocombustíveis revê investimentos
Petrobras Biocombustíveis revê investimentos
Não se pode negar, contudo, que o PNPB tenha trazido benefícios para a atividade agrícola da região, sobretudo para a cadeia produtiva da mamona. O legado mais evidente do programa é o substancial incremento no preço da saca de 60 quilos – aumento que se consolidou com a forte atuação da PBio na compra da produção.
A valorização da mamona é notada sobretudo na Bahia (historicamente, o maior produtor do país), onde o preço da saca mais do que triplicou, desde a implementação do programa. Na primeira semana de fevereiro de 2014, por exemplo, a saca foi negociada por até R$ 130 em Irecê. Em abril de 2009, pouco tempo após o início das atividades da PBio na região, a saca era negociada a R$ 62. Em 2006, esse valor ficava na casa dos R$ 40.
Semanalmente, o preço da mamona é atualizado e a informação é disponibilizada no site da Conab na internet. Além de tornar público o valor de mercado da saca, a Conab também é responsável por estipular um preço mínimo que norteia os contratos firmados entre a PBio e os produtores rurais. Essas medidas têm servido não só para estreitar o laço entre a empresa e os agricultores, mas sobretudo para afastar os atravessadores.
“A partir do PNPB, o preço subiu muito. Os atravessadores já não têm mais a facilidade que tinham para comprar mamona como antigamente”, explica Vitor Azevedo, presidente da Cooperativa de Apoio à Agricultura Familiar (Copagril), do município de Morro do Chapéu (BA), maior produtor do estado.
O próprio diretor de Suprimentos da PBio admite que, no passado recente, havia problemas de “fidelidade” dos agricultores à empresa justamente por conta da ausência de uma política de preços sólida. Isso quer dizer que era comum que produtores de mamona desrespeitassem o contrato firmado com a PBio e vendessem a mamona a terceiros, por conseguir remuneração mais vantajosa ou por receber o pagamento mais rapidamente de atravessadores e da indústria ricinoquímica.
“Hoje esse problema está totalmente resolvido”, afirma João Augusto Araújo Paiva, diretor de suprimentos da PBio. “A Conab criou soluções de acompanhamento de preço que dá respaldo aos contratos. Por questão de preço, não acontece mais [quebra de contrato]. Já transcorreu no passado”, admite.
Bioóleo e controleOutra importante medida tomada pela PBio para tentar alavancar a produção no semiárido foi a compra de 50% do capital da Bioóleo, empresa de processamento de óleo vegetal localizada em Feira de Santana, portal de entrada para o sertão baiano. Toda a mamona comprada pela PBio dos agricultores familiares é esmagada nessa unidade. O óleo é depois revendido à indústria ricinoquímica, já que não faz sentido econômico usá-lo na produção de biodiesel. “A Bioóleo tem feito um trabalho importante na parte da logística, no armazenamento e no processamento desse grão. É uma empresa localizada no semiárido que fortalece a estratégia da companhia nessa região”, analisa o diretor da PBio.
Além de garantir uma estrutura para estocar, escoar e processar a mamona (e também de outras oleaginosas, como o girassol e o algodão) comprada dos agricultores familiares, a aquisição da Bioóleo também é estratégica para a estruturação do programa de assistência técnica, que tem sua operação articulada justamente a partir de Feira de Santana.
Somente na Bahia, a PBio – através da Bioóleo – disponibiliza oito técnicos que atendem diretamente cerca de 900 agricultores. Cada técnico é responsável por pouco mais de uma centena de produtores. Com carros e uniformes estampando o logotipo da coligada da PBio, os técnicos rodam o semiárido baiano não apenas com o intuito de orientar os agricultores sobre as melhores formas de cultivo da mamona, mas também com a missão de ampliar o controle da empresa sobre a produção dos agricultores com os quais a PBio mantém contratos diretos, responsabilizando-se inclusive pela compra da produção.
A própria comunidade, quando percebe que determinado agricultor não vendeu a mamona pra PBio, fala que o produtor que descumpriu o contrato tem que ficar de fora dos projetos que realizamos |
Para a safra 2013/2014, os agricultores, descapitalizados por conta da estiagem que inviabilizou a produção no semiárido nos últimos anos, tiveram suas terras aradas e gradeadas por tratores contratados e bancados pela PBio. As sementes da mamona (a um custo de R$ 8 por quilo), assim como de feijão e de milho, também foram doadas pela estatal.
No entanto, em algumas comunidades – casos de Icó e de Olhos D’Água, ambas localizadas no município de Morro do Chapéu (BA) – produtores que descumpriram o contrato firmado com a PBio em safras passadas, vendendo a produção a terceiros, não foram contemplados com esses benefícios. “A própria comunidade, quando percebe que determinado agricultor não vendeu a mamona pra PBio, fala que o produtor que descumpriu o contrato tem que ficar de fora dos projetos que realizamos”, afirma Vitor Azevedo, presidente do Copagril.
* Esta é a segunda reportagem da série especial sobre o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que faz parte das iniciativas da Repórter Brasil para promover o debate sobre os resultados e perspectivas após uma década de investimentos públicos no projeto. Na segunda-feira, dia 2, o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da organização realizou o seminário “PNPB, 10 anos: inclusão social ou inclusão produtiva?”.
Clique aqui para assistir no canal da Repórter Brasil no youtube à gravação do encontro na íntegra, com mais de três horas de duração.
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