Presidente da CPI diz que tentativas de negar responsabilidade e flagrante na Argentina motivaram nova convocação na Assembleia Legislativa de São Paulo
Por Daniel Santini |
Jesus Echevarria, diretor da Inditex, e Enrique González, da Zara Brasil, estiveram no Congresso Nacional em 2011. Foto: Maurício Hashizume |
De novo, diretores da Zara foram convocados a prestar esclarecimentos sobre uso de trabalho escravo na produção de peças da marca na Assembleia Legislativa de São Paulo. Jesús Echevarría, diretor global da Inditex, empresa que é dona da grife, e Enrique Huerta González, representante legal do grupo no Brasil, foram chamados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo em caráter convocatório, sem possibilidade de recusa. É a segunda vez que os empresários têm de dar explicações sobre escravidão na Assembleia Legislativa. Em setembro de 2011, semanas depois de fiscais resgatarem trabalhadores costurando peças da marca em três oficinas diferentes em Americana (SP) e na capital, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa exigiu explicações.
Desta vez, de acordo com o presidente da CPI do Trabalho Escravo, o deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB), a empresa foi chamada por não ter assumido até agora a responsabilidade pelo caso e deixar de promover alterações no sistema de produção para evitar que a situação se repita. Ele cita a denúncia de trabalho escravo envolvendo peças da empresa em abril de 2013 na Argentina, após o flagrante no Brasil, como um sinal de que a exploração acontece como parte do sistema produtivo da marca, e não como algo pontual como os representantes do grupo têm defendido.
“Não vimos nenhum tipo de ação efetiva no sentido de mudar a forma de produção da Zara, mas sim tentativas de se esquivar de responsabilidades, como a de retirada da ‘lista suja’ e da contestação de sua constitucionalidade. Nesse período, depois que eles falaram que não sabiam de nada, tivemos acesso a informações de que há processos com denúncias em vários outros países. Além de Argentina, há casos em Marrocos, Espanha e China, entre outros. O que queremos na CPI é ver se a ação fica só no discurso ou houve uma mudança efetiva nesse modelo econômico global de exploração de pessoas que a Zara se utiliza”, afirma Bezerra.
Bezerra lamenta medidas tomadas pela Zara na Justiça, como o questionamento da constitucionalidade do cadastro oficial de empregadores flagrados com trabalho escravo mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a chamada “lista suja”, iniciativa que resultou na suspensão da Zara no Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
O Pacto Nacional é a principal iniciativa empresarial de combate à escravidão no país. Por conta da suspensão, junto com os diretores da Zara, também foi convidado para falar sobre o assunto Luiz Machado, representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no acordo. Além de explicações no parlamento estadual de São Paulo, os diretores da Zara também já prestaram esclarecimentos no Congresso Nacional anteriormente. Em 2011, os empresários foram chamados na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), onde pediram desculpas pela situação e prometeram mudanças.
Na JustiçaDesde então, ao negar a responsabilidade pela situação em que os imigrantes que costuravam peças foram encontrados, os representantes da Zara têm insistido que desconheciam a subcontratação de oficinas, e que quem se beneficiou com a exploração foram, na realidade, empresas intermediárias que haviam sido contratadas para produzir as peças em questão. Em abril, ao julgar a ação referente ao resgate de costureiros subcontratados pela intermediária Aha, o juiz Alvaro Emanuel de Oliveira Simões, da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, negou o recurso da Zara e cassou a liminar que impedia a inserção na “lista suja”. Na sentença (leia na íntegra), o juiz afirmou que houve na terceirização “fraude escancarada” e que a subordinação dos costureiros à Inditex era clara.
Procurado pela Repórter Brasil na ocasião, Raúl Estradera, porta-voz do grupo, insistiu que a responsabilidade é da empresa intermediária. “Foi essa empresa que realmente cometeu as irregularidades, e obteve o lucro com isso. Eles que deveriam estar sendo punidos. Nós temos tomado ações de responsabilidade social, inclusive colaborando com entidades públicas e do terceiro setor em um esforço para melhorar as condições de trabalho não só nas nossas cadeias produtivas, mas no Brasil em geral.”
A Zara recorreu e conseguiu reverter a decisão. Em 30 de abril, a desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, que é vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, suspendeu os efeitos da declaração anterior e voltou a determinar que a inclusão da empresa no cadastro de empregadores flagrados seja suspensa até que o processo seja julgado em definitivo (clique para ler as quatro páginas da decisão: 1, 2, 3 e 4). A juíza destacou, em sua decisão, que a Zara “se comprometeu a cumprir diversas obrigações e arcar com investimentos em prol da solução dos problemas abordados pela fiscalização” e que apresentou “documentos que demonstram sua atuação positiva no que tange às obrigações assumidas”.
Denúncia criminalTambém foram convidados para falar na CPI autoridades que acompanharam o resgate e seus desdobramentos. Foram chamados o auditor fiscal Luís Alexandre Faria, do Ministério do Trabalho e Emprego; o procurador Murilo Buck, do Ministério Público do Trabalho; e os procuradores Daniel Fontele Sampaio Cunha e Camila Ghantous, do Ministério Público Federal. Esta última, do MPF em Piracicaba, já ofereceu denuncia contra quatro pessoas com base no resgate ocorrido em Americana. Submeter trabalhadores à escravidão é crime previsto no Artigo 149 do Código Penal e tanto os intermediários quanto os diretores da Zara podem sofrer ações na esfera penal futuramente.
Até agora, o MPF denunciou apenas o dono da oficina em que os trabalhadores foram resgatados e de representantes da Rhodes Confecções, intermediária envolvida na produção de peças no interior de São Paulo.
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