Depois de ironizar fiscalização e de liminar desfavorável, Fenomenal se compromete a pagar indenização por condições degradantes de trabalho em cadeia de produção
Por Igor Ojeda “
No mundo da lua”. Assim Sidney Pinheiro Fuchida, advogado da Fenomenal Internacional, marca de roupa de São Paulo (SP), disse que vivem os procuradores do Trabalho que responsabilizaram a empresa pelo flagrante de trabalho escravo em uma oficina clandestina ocorrida em agosto de 2013. Segundo ele, em declaração dada ao portal UOL em fevereiro deste ano, “mais da metade dos brasileiros não tem as condições que esses trabalhadores tinham. Entra em uma favela para você ver”.
Tais afirmações foram feitas após o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizar uma ação civil pública para que as empresas MP Amorim Eireli e Inovax Confecções, donas da marca Fenomenal, pagassem uma indenização de R$ 1 milhão por dumping social (R$ 500 mil) e por submeter os trabalhadores a condições análogas à escravidão (R$ 500 mil). Dumping social é caracterizado como uma situação em que a empresa descumpre obrigações trabalhistas com a intenção de aumentar seu lucro, causando prejuízos tanto aos trabalhadores quanto às concorrentes.
Apesar de terem quitado as pendências trabalhistas dos trabalhadores afetados, as empresas haviam se recusado a assinar com o MPT um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), por meio do qual se comprometiam a uma série de obrigações de “fazer” e “não fazer”. Diante da recusa, o procurador do Trabalho João Eduardo de Amorim ajuizou a ação civil pública.
Em 19 de março, o juiz do Trabalho Elizio Luiz Perez concedeu liminar favorável ao MPT, e determinou a interdição das sedes das empresas, no bairro do Brás, em São Paulo, e a proibição de comercialização da marca Fenomenal, até que elas comprovassem “o estabelecimento de plano seguro de controle da cadeia de produção dos vestuários que comercializam (cuja consistência evidentemente estará sujeita a exame judicial), de forma a assegurar que a produção seja realizada por trabalhadores empregados, segundo as diretrizes mínimas da Súmula n° 331 do TST”, e formalizassem a assinatura do TAC com o MPT. ASúmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho prevê que a contratação de empresa interposta não isenta a contratante de suas obrigações legais.
Foi uma decisão muito boa. Porque inclusive o juiz incluiu a determinação da interdição das empresas e a proibição da comercialização das marcas, que eu não havia pedido. Aí que surtiu efeito, porque me ligaram no dia seguinte para assinar o acordo |
Somente depois da decisão de Elizio Luiz Perez é que as empresas assinaram o acordo com o órgão. “Foi uma decisão muito boa. Porque inclusive o juiz incluiu a determinação da interdição das empresas e a proibição da comercialização das marcas, que eu não havia pedido. Eu havia pedido a liminar para obrigá-las a cumprirem algumas coisas. Aí que surtiu efeito, porque me ligaram no dia seguinte para assinar o acordo”, opina o procurador do Trabalho João Eduardo de Amorim.
Em agosto, uma fiscalização realizada na capital paulista pelo MPT, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal encontrou em uma oficina clandestina 13 costureiros bolivianos costurando peças de roupa da Fenomenal. No local, foram achados os pedidos feitos pela MP Amorim Eireli, que definia as diretrizes de desenvolvimento e produção das peças.
Segundo informações do MPT, a oficina também servia de moradia e refeitório, e lá ficavam, inclusive, crianças e bebês, filhos dos trabalhadores. Relatório da procuradora do Trabalho Christiane Nogueira, que participou da diligência, aponta: “As condições de segurança e saúde dos trabalhadores eram péssimas: roupas e tecidos obstruindo as passagens, não utilização de equipamentos de proteção individual, cadeiras e máquinas em desconformidade com as regras e condições ergonômicas, instalações elétricas precárias, iluminação insuficiente, exposição a fios, presença de crianças e bebês no local de trabalho. Além disso, os trabalhadores moravam no local de trabalho e praticavam jornadas extensas”.
De acordo com os auditores fiscais do MTE, “a situação precária de higiene e segurança dos trabalhadores no local configura trabalho análogo ao de escravo e as máquinas de costura não tinham proteção, o que poderia provocar acidentes de trabalho, inclusive amputação de membros dos trabalhadores”. Por essa razão, a oficina foi interditada e autos de infração foram lavrados. Após serem notificadas, as empresas proprietárias da marca Fenomenal pagaram as verbas rescisórias e os direitos trabalhistas dos 13 costureiros, que receberam do MTE Carteiras de Trabalho e Previdência Social provisórias e Guias de Seguro Desemprego.
Em sua decisão, o juiz Elizio Luiz Perez chama a atenção para o fato de que o material fotográfico produzido pela equipe do MPT na oficina “não deixa dúvida quanto às condições degradantes do trabalho”, de que “ao menos parte desse trabalho era seguramente realizado em benefício do grupo econômico réu” e de que na própria argumentação de defesa as empresas admitem a contratação de trabalhadores de forma ilícita, “notadamente ao afirmarem que, atuantes no ramo de indústria e comércio de artigos de vestuário, não possuem funcionários exercendo a função de costureiro”.
O juiz do Trabalho destaca, ainda, que ocorreram “sucessivas tentativas” de se obter a colaboração das empresas para inibir tais condições de trabalho, mas sem êxito. Além disso, cita, as rés minimizaram a situação na qual se encontravam os trabalhadores. Como exemplo, Perez transcreve um trecho da defesa: “Ousa-se dizer que esta grande parte da população brasileira gostaria de estas condições desses trabalhadores bolivianos. Moram no mesmo local que trabalham, não precisam passar horas num transporte público superlotado para ir e vir ao seu local de trabalho, seus filhos estão ao seu lado, em vez dos guetos e vielas onde eles estão sendo aliciados pelas drogas, ganhando salários suficientes para viverem em paz, e não pagando aluguel”.
No TAC firmado pelas empresas proprietárias da marca Fenomenal, estas se comprometem a se abster de adotar uma série de posturas que resultem na submissão de trabalhadores a condições análogas à escravidão, entre elas: utilizar “subterfúgios” para dissimular vínculos empregatícios, como contratar microempresas individuais ou cooperativas irregulares; utilizar mão de obra de trabalhadores estrangeiros que não estejam autorizados a permanecer e trabalhar no Brasil; submeter trabalhadores a condições degradantes; e firmar contratos com pessoas físicas ou jurídicas que não respeitem os direitos trabalhistas de seus funcionários.
Além disso, comprometem-se também a tomar algumas medidas como: fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista em sua cadeia produtiva; rescindir o contrato com fornecedoras que não a seguirem; e terem responsabilidade solidária junto aos prestadores de serviços no que se refere às verbas trabalhistas devidas. O TAC determina, também, que as empresas paguem indenização de R$ 100 mil, por dano moral coletivo e pela prática de dumping social, em favor do Centro de Apoio ao Migrante (Cami), de São Paulo.
Procuradas pela reportagem, as empresas proprietárias da Fenomenal não haviam se manifestado até a publicação deste texto.
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