terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Libertação recorde leva Sidepar a ser suspensa do Pacto Nacional



Resgate de 150 pessoas escravizadas na produção de carvão vegetal em esquema clandestino que abastecia siderúrgicas de Marabá (PA) foi o principal de 2012. Empresas negam responsabilidade
Por Guilherme Zocchio
De cima para baixo: alojamento dos
trabalhadores, riacho onde bebiam água
e cozinha improvisada para alimentação.
Fotos: MTE
A Siderúrgica do Pará (Sidepar) foi suspensa nesta terça-feira, 22, do Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo, acordo que reúne algumas das principais empresas do país. A decisão foi anunciada nesta tarde pelo Comitê de Monitoramento do Pacto, do qual a Repórter Brasil faz parte. A suspensão é resultado da libertação em setembro de 150 pessoas em condições análogas ao trabalho escravo produzindo carvão vegetal para a empresa, libertação recorde de 2012.
Durante a vistoria em questão, o Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo encontrou não apenas trabalho escravo, como também crimes ambientais e emissão de notas fiscais falsas. A equipe relatou até ameaças de morte durante a operação. Ao todo, foram lavrados 21 autos de infração pelos auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Os resgatados estavam em condições degradantes, trabalhando em 185 fornos irregulares em duas carvoarias, em local isolado de difícil acesso em Goianésia (PA).
Entre os 150 libertados estavam 21 mulheres e 5 adolescentes com idades entre 16 e 18 anos. Todos moravam em instalações improvisadas com palha seca e lonas plásticas, sem sanitários ou fossas sépticas, e usavam os córregos da região para beber água ou tomar banho. “Não esperávamos encontrar o que encontramos. Era uma situação totalmente atípica”, afirma Ana Luísa Zorzenon, procuradora da 8ª região (PRT-8), do Ministério Público do Trabalho (MPT), que participou da inspeção junto de cinco auditores fiscais MTE e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). “Nenhum deles era proprietário, eles eram posseiros que esperavam ganhar a terra por usucapião”, explica a procuradora Ana Luísa. A Sidepar foi considerada a principal responsável pela situação dos trabalhadores pela equipe de fiscalização.
Repórter Brasil tentou contato com a empresa para comentar o caso. Por e-mail, Rogério Gontijo negou a responsabilidade pelos trabalhadores e disse que "todos os fornecedores [da siderúrgica] e produtores de carvão são visitados e fiscalizados periodicamente por funcionários da empresa que verificam o recolhimento de impostos, comprovantes de pagamentos de salários, estrutura física de refeitório, alojamento, banheiros, área de descanso, cantina".
Segundo ele, desde que assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal (MPF), a siderúrgica acompanha a cadeia produtiva do carvão que recebe, investe em melhorias nas bases da produção e monitora os caminhões que chegam à usina em Marabá (PA). O posicionamento da empresa na íntegra está disponível aqui.
Cosipar e Ibérica
Além da Sidepar, as empresas Cosipar e Ibérica também adquiriam carvão do grupo e têm que ser responsabilizadas, segundo o MPT. A procuradora Ana Luísa ajuizou ação civil pública e uma ação civil coletiva contra as três as empresas cobrando, respectivamente, R$ 14,5 milhões e R$ 7,5 milhões em indenizações por danos morais.
Procurado pela reportagem para comentar a libertação recorde, o advogado da Siderúrgica Ibérica, Marcos Kawamura, disse que a empresa "desconhecia o caso". "Na região de Marabá (PA), de fato, sabiam da existência dessa situação envolvendo a Sidepar. Mas para a Ibérica não chegou nada. Não fomos comunicados para fins de defesa", explica. A Repórter Brasil também entrou em contato com a Cosipar, mas, até a publicação dessa matéria, a empresa não havia dado ou retorno ou se posicionado sobre o assunto.
Vista área de complexo no município de Marabá onde ficam as usinas siderúrgicas; em destaque, Cosipar, Ibérica e Sidepar, com distância média de 2,5km de uma unidade para outra
Não é a primeira vez que as três siderúrgicas de Marabá (PA) têm problemas com a Justiça. Assim como a Sidepar, a Cosipar e a Ibérica também haviam firmado TACs com o MPF se comprometendo a tomar providências diante de problemas recorrentes. Pelo acordo, as empresas assumiram a responsabilidade, perante o órgão federal, de fiscalizar a cadeia produtiva do carvão que adquiriam, com o objetivo de não adquirir produtos procedentes de trabalho escravo e/ou de desmatamento ilegal. O documento também previa que, caso as cláusulas não fossem cumpridas, as indústrias poderiam ter as respectivas licenças operacionais suspensas.
A Cosipar e a Ibérica também são ex-integrantes do Pacto. Elas foram suspensas por descumprirem o estatuto, a primeira em 2010 e a segunda em 2009
Mapeamento de cadeia produtiva
“As siderúrgicas se beneficiavam desse afastamento da ponta inicial da cadeia produtiva. Mexemos com uma estrutura econômica muito poderosa, de gente muito poderosa”, diz Márcia Albernaz Miranda, auditora fiscal do MTE responsável por coordenar a operação do grupo móvel que procurou mapear o escoamento da produção. Segundo ela, não há dúvidas de que as três siderúrgicas se beneficiavam da exploração de escravos para conseguir carvão mais barato. “Ficamos de madrugada nas estradas e constatamos o escoamento do que era produzido para Marabá (PA)”, detalha.
A produção clandestina, de acordo com os auditores, era abastecida com madeira extraída de maneira irregular no entorno das carvoarias, sem autorização do Ibama. Com o carvão vegetal pronto, eles reuniam aquilo que fabricavam, por meio de um sistema cooperativo, até completarem a pesagem mínima de um caminhão que seguiria para Marabá (PA) com a carga. “Eram miseráveis ajudando miseráveis”, comenta Márcia. “Toda a produção, de aproximadamente 1.040 (um mil e quarenta) toneladas por mês, alcança, com extrema facilidade, o fim da cadeia produtiva”, aponta o relatório de fiscalização do MTE sobre o caso. “Embora não tivessem um vínculo jurídico de parceria, as siderúrgicas montaram um grupo econômico de fato. Na informalidade, estavam ligadas entre si, é o que chamamos de grupo econômico de fato”, diz a coordenadora da fiscalização, explicando que, desse modo, conseguiram responsabilizar e enquadrar conjuntamente as três empresas como empregadoras no caso. 
Fraude e ameaças de morte
Para não ser interceptado e apreendido por carregamento ilegal pela polícia, os caminhões cheios, antes de partir em viagem, seguiam até um ponto de encontro, um posto de combustível em Goianésia (PA), onde os motoristas recebiam notas fiscais falsas para poder seguir em frente, segundo a fiscalização. Na ocasião da vistoria do grupo móvel, duas notas fiscais haviam sido emitidas pelas empresas R. Coelho Rodrigues-EPP e Carvoaria Santana Ltda-EPP.
Em azul, rota através da rodovia PA-150 de Goianésia (ponto A), no norte, até Marabá (ponto B), ao sul, por onde era escoada a produção
Caderno com o que seriam registros
de propinas pagas à Polícia Militar
Ainda de acordo com o relatório, a fraude vinha sendo investigada pela Polícia Federal (PF), que monitora possível caso de corrupção de Policiais Militares (PMs) e outros agentes do Estado ao longo da rodovia PA-150, por onde o carvão clandestino era transportado.
Durante a operação, os fiscais presenciaram ameaças de morte que teriam sido feitas por um dos gerentes da Sidepar a um trabalhador que denunciou o esquema de notas falsas. A Sidepar nega, conforme posicionamento registrado no comunicado da empresa, que tenha empregados na região.
A libertação de 150 pessoas não só foi a que libertou mais trabalhadores em 2012, mas também uma das mais perigosas já realizadas pelo Grupo Móvel, de acordo com integrantes ouvidos pela reportagem.
Enquanto eram resgatados, diversos trabalhadores manifestaram temor de represálias e a Polícia Rodoviária Federal teve que pedir reforços à base mais próxima. A fiscalização, que inicialmente contava com seis policiais, só foi concluída quando mais oito policiais chegaram.
Leia também: Estudo denuncia como indústria de ferro e aço lucra com escravidão e desmatamento      Por Repórter Brasil

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